Ao se observar as tradições religiosas do mundo pode-se perceber que tiveram, ao longo do tempo, seus princípios e preceitos mesclados a práticas que as distanciaram da sua pureza original, ao mesmo tempo que diversos seguidores e líderes tornaram certas atividades religiosas dissociadas do cotidiano e da vida fora dos templos.
Embora tais atividades sejam válidas e tenham seu lugar nas expressões da fé, não devemos nos restringir a elas, sob pena de empobrecermos nossa visão de mundo tanto quanto daquilo que seja religioso ou sagrado. Limitar a expressão de nossa espiritualidade a cerimônias ou lugares específicos nos parece deixar de utilizá-la como ferramenta que é para o aperfeiçoamento de todos os aspectos da vida.
Nesse sentido, pode-se ampliar a concepção do que seja espiritual. Por exemplo, um ato de caridade praticado anonimamente para com um desconhecido pode se revestir de maior grandeza espiritual que um louvor realizado nos templos diante do aplauso de numerosa plateia; estar atento às necessidades de quem se encontra próximo e procurar supri-las na medida do possível pode ser mais significativo que permanecer longo tempo em cerimônias ricas de forma e pobres de conteúdo; estar ao lado de quem sofre, minimizando sua dor, pode ser mais sagrado que a mera leitura e discussão de textos religiosos.
De forma alguma desconsideramos a necessidade e o valor das reuniões de caráter religioso, seja qual for a referência espiritual escolhida. Reconhecemos que as instituições religiosas sérias prestam inestimável serviço à sociedade, através de múltiplas ações beneficentes. São refúgios, abrigos, escolas e prontos-socorros que acolhem, orientam e encaminham quem as busca para melhores condições de vida. Apenas nos permitimos refletir sobre a importância de não nos prendermos a circunstâncias externas nem delimitarmos o exercício da espiritualidade a momentos e locais específicos. A vida é una e integrada, portanto tudo o que fazemos, em todo e qualquer lugar, fala de nós, não apenas as palavras ou preces que venhamos a proferir em momentos de exaltação.
Como ainda temos uma visão muito limitada da espiritualidade e das dimensões sutis da vida, tendemos a restringir nossa espiritualidade a breves momentos de oração, nem sempre sincera e pura, após o que geralmente corremos apressados para nossos interesses mundanos e imediatos. Por outro lado, aqueles que desenvolveram e integraram sua espiritualidade permeiam todas as suas atividades e os aspectos do seu ser com os princípios e valores que caracterizam sua fé.
Podem não pertencer a nenhuma religião convencional e, ainda assim, manifestar profunda comunhão com o divino e expressá-la de forma que sua vida seja sua mais genuína prece.
O reconhecimento da sacralidade de toda a vida é um processo pelo qual chegaremos a um ponto – que muitos já alcançaram – de reconhecer em cada ser uma expressão do divino, portanto merecedor de respeito, reverência e cuidado. Embora estejamos distantes de tal condição, podemos exercitá-la a partir da condição limitada em que nos encontramos, nas diversas situações do nosso viver e conviver.
Além de realizarmos atividades de natureza religiosa, parece-nos essencial permitirmos à nossa dimensão espiritual que se manifeste de modo mais livre e pleno em todas as nossas atividades e relações, a fim de que os princípios e valores por nós esposados se integrem ao nosso viver, enriquecendo, purificando e elevando nossa vida tanto individual quanto coletiva.
André Salum é médico homeopata.