05 de dezembro de 2025
ARTIGO

Jogando Verdi para colher o Maduro

Por Walter Naime |
| Tempo de leitura: 3 min

Giuseppe Verdi não imaginava que sua ópera Nabucco atravessaria mares e séculos para ser lembrada nas esquinas de Caracas. O maestro, lá no século XIX, afinava trompetes e coros para cantar o drama de Nabucodonosor, rei da Babilônia que perdeu a coroa, a razão e voltou humilhado aos seus súditos. Entre as árias, brilhou o coro dos hebreus, conhecido como "Va, pensiero", "Va pensando", que virou quase hino da liberdade italiana. E lá estava também a marcha triunfal, que fazia o público levantar como se fosse final de Copa.

Avançamos até a Venezuela, palco de outra ópera: Maduro e seus Generais. Nicolás Maduro, herdeiro político de Chávez, dança no palco internacional entre a batuta da esquerda e as vaias da plateia mundial. Seus violinos tocam socialismo bolivariano, mas desafinam diante da inflação que faz a arepa custar mais que caviar. Ele se apresenta como regente democrático, mas muitos críticos dizem que a orquestra só toca a partitura que ele escreve.

Do outro lado do Atlântico e do Caribe, entra em cena Donald Trump, tenor de voz grave e cabelo barroco, que ao ouvir falar em esquerda bolivariana resolveu soltar trombones. O pretexto? Narcotráfico. A sinfonia? “Operação Liberdade Caribenha”. Mas na verdade parecia mais um ensaio de “jogar verde para colher Maduro”: sondar, pressionar, provocar para ver até onde o regime resiste.

O coro americano entoava refrões de “restaurar a democracia”, enquanto Caracas respondia com tambores de “soberania nacional”. A frota bélica dos EUA navegou pelo Caribe como se fosse o balé militar da Marcha Triunfal. Canhões substituíram trompetes; porta-aviões, os contrabaixos. A Venezuela, sem a mesma orquestração, reagiu com notas desafinadas: “agressão imperialista, não passarão!”.

Trump chegou a evocar a cabeça de Maduro como prêmio, coisa que parecia saída de libreto de ópera barroca. Mas o final não teve o terceiro ato explosivo: a invasão da Venezuela ficou mais no campo da novela política do que nos campos de batalha. O enredo virou folhetim: ameaça aqui, sanção ali, discurso acolá.

Dá para falar em confronto bélico real? Se fosse guerra, o libreto incluiria tanques, caças, drones, mas também fome, refugiados e consequências colaterais para toda a América do Sul. O Brasil, plateia da ópera, temia ser arrastado para o corredor do conflito. Afinal, a novela não é apenas sobre petróleo ou cocaína, mas sobre influência: quem rege a orquestra latino-americana?

No meio disso, a Marcha Triunfal de Verdi pode ser traduzida em palavras: “Avançai, livres! Cantai, fortes! Que o futuro não se curva!”. Mas, no palco venezuelano, a marcha soa mais como paródia: “Resistir, mesmo sem arroz; triunfar, mesmo sem papel higiênico”.

E a moral? Soberania não se canta apenas com trompetes. Democracia não se sustenta só no discurso: precisa de plateia que não durma e músicos que não toquem playback. Jogar verde para colher Maduro pode render manchetes, mas a lição da ópera é que impérios passam, ditadores desafinam e o povo, mais cedo ou mais tarde, canta o Va, pensiero… nem que seja no karaokê da esquina.

O final, em clima de cortina fechando: “Liberdade, liberdade, ainda que parcelada em 12 vezes sem juros! Que o povo encontre, mesmo entre ruínas, a sua terra prometida, de preferência com supermercado abastecido.”

Walter Naime é arquiteto-urbanista e empresário.