Uma proposta do Ministério dos Transportes para revolucionar o processo de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) desencadeou uma onda de participação pública sem precedentes, batendo recordes e acendendo um debate acalorado sobre segurança viária e acesso. Em apenas 24 horas após sua abertura, na última quinta-feira (2), a consulta pública sobre a CNH sem autoescola atraiu mais de 5.000 contribuições, consolidando-se como a maior iniciativa participativa da atual gestão federal, superando todos os temas, exceto a histórica consulta sobre a vacinação contra a COVID-19 em 2021.
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O clamor popular reflete a divisão de opiniões sobre a medida, que promete baratear drasticamente os custos da habilitação. O governo federal defende a mudança como um passo crucial para democratizar o acesso à CNH, estimando que a eliminação da obrigatoriedade das autoescolas pode reduzir o valor final das categorias A (motocicletas) e B (veículos de passeio) em até 80%. Essa economia substancial poderia tornar a habilitação uma realidade para milhões de brasileiros que, hoje, veem o custo como um impeditivo intransponível.
A proposta sugere flexibilizar a formação teórica, permitindo que os futuros condutores escolham entre três modalidades de aprendizado:
Do outro lado do espectro, o setor de autoescolas expressa profunda preocupação, projetando um cenário de colapso. A Federação Nacional das Autoescolas e Centros de Formação de Condutores (Feneauto), através de seu presidente, Ygor Valença, alertou para o risco iminente de uma "má formação" de condutores. Valença prevê o fechamento de cerca de 15.000 empresas em todo o país, o que resultaria na demissão de milhares de trabalhadores e na desestruturação de um setor consolidado.
A principal crítica reside na qualidade do ensino e na segurança no trânsito. Valença destaca a atual dificuldade em padronizar os exames práticos em diferentes regiões do Brasil. "Tem regiões que temos um circuito, que é via pública, faz baliza, garagem e rampa. Mas em outras, onde o pátio é pequeno, só faz baliza e garagem. Eu tenho dificuldade de uniformização dentro dos estados", exemplifica. Ele argumenta que, sem a supervisão e o treinamento padronizado dos CFCs, haveria um "turismo de habilitação", com candidatos buscando os locais onde a prova é mais fácil, independentemente da sua real aptidão. "Estamos colocando pessoas sem condições alguma num trânsito já caótico. Essa é a nossa preocupação", enfatiza, temendo que a medida leve a um aumento drástico de acidentes e a um agravamento do cenário viário nacional.
Para quem deseja contribuir com a discussão, o processo é simples e totalmente digital:
A consulta pública permanece aberta até o dia 1º de novembro. Após essa data, as contribuições serão compiladas e servirão de base para a formulação final da proposta, que será então encaminhada ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran) para deliberação. A expectativa é que, se aprovado, o novo modelo possa ser implementado gradualmente a partir de 2026, redefinindo o caminho para milhões de brasileiros obterem sua carteira de motorista. O destino do trânsito e da formação de condutores no Brasil está agora nas mãos da sociedade e dos formuladores de políticas.