Parece que o tal «discurso do ódio» não é mais atributo exclusivo da «extrema» direita. O assassinato de um americano chamado Charlie Kirk, de apenas 31 anos de idade, tem gerado comemorações nos Estados Unidos e, pasmem, também no Brasil. Sim, ninguém leu errado: então c-o-m-e-m-o-r-a-n-d-o um assassinato. E essa comemoração vem sendo endossada pela imprensa. Sim, vamos repetir: pela própria imprensa. Expliquemo-nos.
Quando a imprensa dá ao cidadão americano o alcunha de «extremista» ela o está taxando de alguém fora da normalidade. Vamos recorrer aos velhos e bons dicionários de nosso vernáculo. O adjetivo «extremo» significa: «que está no ponto máximo ou mais distante; que não admite meio-termo; radical » (Aurélio) ou « levado ao maior grau; excessivo; exagerado; radical » (Houaiss). E, «extremista», por consequência: «indivíduo que defende posições radicais, de direita ou esquerda, geralmente intransigente» (Houaiss). Ou seja, para a grande imprensa, o extremista é o intransigente. Mas não é. É justamente o contrário: o extremista é o divergente.
Sei muito bem o que é ser divergente. É pensar diferente. É, na maioria das vezes, pensar como minoria. Uma minoria bem pequena. Charlie Kirk não se limitou a pensar em divergência, mas a expor suas ideias divergentes. E por isso, morreu. Será que alguém ainda comemora a morte de Martin Luther King Jr.? Esse era outro divergente que expunha ideias de igualdade racial e social. Foi igualmente assassinado em 04 de abril de 1968, em Memphis, no Tennessee (EUA). 57 anos depois a história se repete. Um discurso lhe custou a vida.
Isso mostra que a intolerância às ideias podem custar a vida de quem as expõem publicamente. Mas há algo novo, 57 anos depois: a comemoração de uma morte.
No Brasil um médico neurocirurgião comemorou pelas redes sociais e louvou a mira do assassino. Justamente alguém que (em tese) jurou proteger a vida, qualquer vida. Nos Estados Unidos se comemorou a única coisa que poderia silenciar um orador divergente: a sua morte. E mesmo depois de morto, a imprensa o taxa de « extremista» , aquele cujas ideias não admitiam meio-termo, eram radicais demais para serem proferidas. Isso nos parece validar seu assassinato.
Aquilo que é extremo, não é normal. Foge à santa doutrina tomista da virtude estar (em tese) no meio termo. Voltaire, onde estará você agora? Quem defenderá o «direito de dizer» daqueles pensadores (ou oradores) divergentes, cujas palavras ninguém concorda? Ou devemos todos concordar em uníssono que a pena de morte (ou de prisão) deve ser aplicada a todos que ousem pensar contra os padrões previamente definidos?
Será que existe algo tão imune à crítica que jamais podemos ousar criticar? Talvez a democracia? Será essa invenção grega tão perfeita que não poderá ser passível de crítica ou de modificação? Vamos lembrar da escravatura nos séculos XIX e anteriores: era tão normal quanto a democracia é hoje. Se não fosse a divergência de pensamento de nossa Princesa Isabel, continuaríamos a ter escravos como se fosse algo corriqueiro.
Será esse tal discurso do ódio de que tanto falam só vale para um lado do extremismo? Ou é apenas um discurso daqueles que não conseguiram rebater em palavras, aquilo que discordavam?
Mas a morte de tantos que ousaram divergir não pôs fim a seus discursos, matou apenas o corpo que lhes deu voz. Fico aqui com as últimas palavras do teólogo e filósofo tcheco, Jan Huss, pouco antes de ser queimado na fogueira, em 6 de julho de 1415: «Hoje vocês assam um ganso, mas daqui a cem anos ouvirão cantar um cisne que não poderão queimar”.
Kazuo S. Koremitsu é economista com doutorado em Direito.