05 de dezembro de 2025
ARTIGO

Quando o tempo corre atrás de nós

Por Rogério Cardoso |
| Tempo de leitura: 3 min

Aos 92 anos, Emma Maria Mazzenga não corre apenas contra o cronômetro. Ela corre contra a lógica do envelhecimento, contra o que a ciência durante décadas descreveu como inexorável, contra a própria ideia de limite. A cada arrancada, seu corpo anuncia uma pequena revolução: entre fibras naturalmente marcadas pelo tempo, pesquisadores encontraram células musculares que lembram as de uma jovem de 20 anos. É como se o tempo tivesse tropeçado dentro dela, esquecendo-se de envelhecer algumas de suas partes.

O que mais intriga os cientistas é a forma como Emma mantém intacta a conversa entre nervos e músculos. Normalmente, essa comunicação vai ficando lenta, repleta de falhas e silêncios, como uma ligação telefônica cheia de ruídos. No corpo de Emma, as vozes seguem claras, cristalinas, quase juvenis. Seu coração continua pulsando com vitalidade, suas mitocôndrias que são as pequenas usinas de energia que tantas vezes definem o ritmo da vida e que  produzem força e resistência como se desconhecessem a contagem do calendário. Dentro de suas pernas, as fibras de contração lenta, responsáveis pela sustentação da corrida e pela resistência, ainda funcionam como as de alguém muito mais jovem. Talvez aí esteja o segredo que equilibra o declínio natural das fibras rápidas e a mantém veloz nos 100 e 200 metros.

A trajetória dela é também marcada por interrupções e retornos. Emma começou a correr aos 19 anos, enquanto estudava biologia. Abandonou as pistas para cuidar da mãe doente, casou-se, criou os filhos, e só voltou a competir aos 53, como se tivesse guardado dentro de si um chamado secreto, esperando o instante certo para ser lido novamente. Desde então, não parou mais. Seus treinos não são grandiosos nem cercados de glamour: ela corre duas a três vezes por semana, aquece, faz tiros, repete séries. E nunca se permite passar um dia inteiro dentro de casa. Nem mesmo na pandemia o corpo se deixou aprisionar; correu num corredor de 20 metros, improvisou voltas em quarteirões, insistiu. Sempre em movimento, sempre em diálogo com o próprio tempo e corpo.

A ciência, diante dela, encontrou um achado. Marta Colosio, pesquisadora italiana responsável por analisar seu músculo, declarou jamais ter visto alguém nos 90 anos com tamanho vigor celular. Essa constatação encontra eco em descobertas recentes, como no artigo científico “The Role of Skeletal Muscle in Healthy Aging: From Molecular Mechanisms to Interventions”  que saiu no periódico Frontiers in Physiology que descreve como a atividade física regular é capaz de preservar a função celular, retardar o declínio metabólico e reprogramar parte do envelhecimento. Emma, portanto, não é apenas uma atleta. É uma testemunha viva de que movimento e consistência podem ser as chaves que destravam portas que julgávamos trancadas pela idade. Podemos e devemos envelhecer melhores!

Mas não é apenas de força muscular que se faz a longevidade. Luigi Ferrucci, diretor científico do National Institute on Aging, lembra que envelhecer bem requer equilíbrio: não basta correr rápido, é preciso também cuidar da mente, cultivar vínculos, alimentar-se com simplicidade, despertar todos os dias com um propósito que valha a pena. Emma parece compreender isso intuitivamente. Sua dieta é modesta: pequenas porções de carne, peixe, ovos, massas ou arroz. Nada antes do treino. Nenhum exagero. O essencial, apenas. Sua vida inteira, na verdade, reflete essa escolha de simplicidade e perseverança, de fazer do tempo um aliado e não um carrasco.

O que a história dela nos oferece é um convite silencioso: não precisamos nos curvar passivamente às estatísticas. Podemos envelhecer dançando entre perdas e ganhos, como quem corre numa pista iluminada pelo pôr do sol. Nem todos teremos fibras jovens escondidas em músculos de 90 anos, mas todos podemos escolher dar um passo adiante, insistir mais uma vez, levantar-se mesmo quando a inércia parece mais confortável. Emma corre por ela, mas corre também por nós.

Corre para que possamos enxergar que o envelhecimento não é apenas destino, mas também escolha, feita todos os dias, nas pequenas decisões de não desistir.

E talvez este seja o verdadeiro recorde mundial: transformar o tempo em cúmplice, e não em inimigo. Eu quero chegar lá...e você? Até a próxima!

Rogério Cardoso é personal trainer e preparador físico, membro da Sociedade Brasileira de Personal Trainer SBPT e da World Top Trainers WTTC.