Quando estudamos história lá nos tempos do antigo ginásio, havia uma palavra glamurosa que ostentávamos com orgulho: soberania. O que é ser soberano? É ter independência e mandar no seu próprio quintal. Soberania nacional é mandar no próprio país. Mas o mundo moderno e globalizado de hoje já não comporta mais conceitos tão simples e hermeticamente fechados. Aprendemos a duras penas que, na vida, sempre há um preço a se pagar. E também aprendemos que, muitas vezes, a melhor escolha é a menos pior ou àquela que nos der menor prejuízo.
Há um dito popular que gosto muito, seja por sua crueza, seja por seu irreparável senso de realidade: contra a força não há direito que prevaleça. Essa mesma sabedoria popular também está presente nesses outros dois aforismos: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, ou “a corda sempre arrebenta do lado mais fraco”. O mesmo Donald Trump que impôs tarifas alfandegárias ao Brasil (em punição fundada em razões várias que não cabe aqui relembrar) colocou um prêmio de US$ 50 milhões (de dólares) para a cabeça de Nicolás Maduro, presidente (líder ou ditador) da Venezuela. Se isso não for ingerência na soberania nacional alheia, já não sei mais o que é.
Não cabe aqui fazermos uma avaliação de certo ou errado; justo ou injusto. Apenas nos cabe analisar a realidade tal como ela nos foi apresentada. E a partir daí buscar caminhos para resolvê-la. Um prêmio pela cabeça de um estrangeiro seja por US$ 1 (um dólar) ou 50 milhões não faz diferença para o conceito de violação de soberania. Mas faz muita diferença para o bolso de quem vai receber. O fato é que ao colocar um preço nas coisas, tudo fica mais fácil de negociar e - por extensão - de se resolver. Só nega esse princípio quem nunca se viu numa posição de barganha por algo. É claro que não há barganha contra a morte - fato inevitável para todos nós.
No centro de tudo isso está a soberania nacional brasileira versus as tarifas alfandegárias de importação impostas (unilateralmente) pelos EUA. Vamos deixar de lado o idealismo e o romantismo que vigorou nos séculos XVIII e XIX. Está na hora de fazer as contas. Ver o que dói menos no bolso. No século XIX, os Estados Unidos compraram da Rússia o Alasca. Quando Trump se reuniu com Putin no Alasca mandou um recado ao mundo: «se até nós podemos conversar e negociar um acordo, todos podem». Hoje estão querendo comprar aliados. Foi-se o tempo que os EUA toleravam países vizinhos anti-americanos. E o Brasil já esnobou demais seu principal parceiro comercial e maior investidor. Agora chegou a hora de pagar o preço.
Soberania nacional é, de fato, um conceito belíssimo para nossos livros de educação, moral e cívica. Porém, só um bom exército garante a verdadeira soberania, só uma economia próspera e grande garante-nos falar no mesmo nível que os outros países. E agora, uma terceira variante entra na equação: a tecnologia. Ou você tem um dos 3 ou escolhe seu aliado. Nem mesmo a Europa inteira é páreo para os EUA, nem militar nem economicamente.
Na derrota para os EUA, o Japão curvou-se ao poderio americano e se rendeu, algo impensável para um povo que nunca havia feito isso nos últimos mil anos. A frase proferida na ocasião, pelo imperador japonês, diz tudo: «agora precisamos suportar o insuportável». Soberania sem aliados fortes é um conceito vazio e idealista. O mundo está se realinhando e nesse momento é preciso não confundir soberba nacional com soberania nacional. Quem sabe enxergar seu tamanho, sabe de qual lado a corda se rompe.
Kazuo S. Koremitsu é economista com doutorado em Direito.