E, então, o escrevinhador pergunta-se a si mesmo: “Por que tal assunto? Por que recorrer ao título do livro da magistral Simone de Beauvoir?” E, também a si mesmo, ele responde não saber de nenhum dos porquês. Aliás, mesmo por estar absolutamente decidido a não se ir embora. A ficar por aqui até ser o último a apagar as luzes. Ora, a ser verdade que os humanos são livres para exercer a sua vontade, o escrevinhador irá exercê-la: “Daqui, não saio; daqui ninguém me tira.” E fim de conversa.
Admitindo-se, porém, a absurda hipótese de ir-se em definitivo, faria, ele, o quê? Como? Pois, seria uma festa, um festival de excessos, de transgressões, de aventuras, de rebeliões. Não voltar a fazer muito do que fora feito. E mandar às favas muito, também, do que regras sociais, religiosas, políticas impuseram.
Obrigação de votar, por exemplo. Para quê? E – ó, raios! – usar gravata. Aquele pedaço de pano pendurado no pescoço – há algo mais absurdo? E “seguir a moda”, adequar-se àquilo que o pessoal inventa apenas para ganhar dinheiro? E o mulherio, sujeitando-se, obedientemente, ora a vestido curtinho, ora a longo; a cabelos soltos, a cabelos presos; ora a ser delicada, ora a ser grosseira? Cáspite!
E comida, alimentação? O que engorda, o que não engorda; o que contém ou não açúcar. E os benditos, abençoados ovos que, tão gratuitamente, no-los oferecem galinhas, peruas, avezinhas? Cerveja sem álcool... Para que, então, bebê-la sem o seu efeito tranquilizador, também hilariante? Sabor por sabor, muito melhor um saudável suco de frutas. Ou não? Comer quando se tem fome, beber ao sentir sede. Nada mais do que isso. E beber e comer aquilo de que se tem prazer. E eis outro inferno já vivido: o prazer. Pois, na vida presente, ter prazer é aliar-se aos demônios. Para salvar-se – e ele nunca soube salvar-se do quê – seria preciso sofrer, gemer, consolar-se com dores, injustiças e sistemas de governo pérfidos. Ô, cabra da peste!
Amar é vocação humana. Para quem ama, amor não tem leis. E o amor – como nos lembrou o inesquecível Vinicius de Moraes – “é eterno enquanto dure”. E Pascal: “o coração tem razões que a razão desconhece”. Mas, já há séculos, a humanidade revelou ter medo do amor, medo de amar. E de ser amado. Ao mesmo tempo, ama, venera, cultua Jesus, aquele que morreu por amor. Obras primas literárias, artísticas, musicais inspiram-se no amor, nas múltiplas formas e maneiras de amar. A tragédia, porém, contaminou a arte. Adão e Eva, Romeu e Julieta, Tristão e Isola, Abelardo e Heloisa, tantos e tantos mais.
Morrer de amor, portanto, tornou-se triste destino de quem ama. Logo, o amor mata. É um mal, não vivifica. O bem maior está em amar a Deus. Sobre todas as coisas. E o próximo, mesmo não se sabendo quem seja ele. E se for um estuprador? Amá-lo como a mim mesmo? Como? Ódios, guerras, fratricídios – dizem isso ser próprio dos humanos. Em assim sendo, o escrevinhador deveria, rapidamente, acelerar suas cerimônias de adeus. Pois tudo teria sido um horror. Mas isso não é verdade.
Viver é aprendizado permanente. Para esse contador de histórias, uma das belas lições foi entender que sentir é mais prazeroso do que saber. Quando, pois, admitir a proximidade do fim, ele quer festança. Muita dança, muito vinho, familiares, amigos, pessoas queridas – todos embriagados de alegria, sem barreiras, sem protocolos, sem leis absurdas. E saudar o Sol, a Lua, estrelas, brisas, perfumes de flor, voos e cantos de pássaros, paisagens, crianças, músicas, belezas humanas, sorrisos, lágrimas. E o dom da Vida. A Criação.
Cecílio Elias Netto é jornalista e escritor.