Bem antes da Pandemia, que engessou tantos projetos e sonhos, meu filho queria me levar para a Itália, a fim de conhecer a pequena cidade de Sala Consilina, em Salerno, onde nasceu minha avó materna, Giusephina Romano Giordano.
O sonho foi se tornando real quando as passagens foram compradas. Íamos no mês de julho por ser férias das netas, que iriam também.
Mas o improvável aconteceu, e aquele vírus que parecia estar tão longe, lá na China, se espalhou velozmente pelo planeta. Tudo parou, e a viagem teve de ser adiada.
Após os dois anos fatídicos, e as coisas quase dentro da normalidade, pudemos fazer a tão sonhada viagem, eu, meu marido, dois filhos e as três netas mais velhas.
Carro alugado, fomos percorrendo a Itália de norte a sul, usufruindo de paisagens mágicas da Campânia, Toscana, Lombardia, Lácio, Emília-Romanha e Vêneto, que pareciam quadros, de tirar o fôlego pela beleza.
Ao chegarmos à cidadezinha da qual tanto ouvia minha mãe falar, a emoção foi imensa. Pisar nos lugares onde certamente minha avó caminhou em sua adolescência, foi uma experiência única. Eu ficava imaginando-a jovem, com a idade das minhas netas, uma bela moça de olhos azuis, com xale nos ombros indo à igrejinha onde assistimos uma missa logo que chegamos, pois era um domingo.
Sala Consilina fica ao pé das montanhas. No inverno neva e deve ser muito gelada.
Minha avó veio com a família para o Brasil aos dezoito anos, e conheceu o futuro marido na viagem de navio e acabaram se casando no Brasil. Tiveram treze filhos, dos quais dez vingaram. Sempre falou um português misturado com dialeto italiano da sua terra natal. Nunca mais voltou, e a Itália para ela, se tornou apenas saudade...
Minha avó contava aos filhos que a casa de três andares onde morava tinha escadarias de mármore e anjos dourados pintados nas paredes dos quartos. A família plantava uvas e tomates. Apenas um dos irmãos voltou para a Itália e ela ficou sabendo através dele, que durante a guerra, parte do imóvel foi destruído e a casa acabou ficando para um padre. Só isso soube, e mais nada. Naquela época as comunicações eram difíceis.
Eu tinha um anel de safira azul que foi dela, que o deu de presente à minha mãe, que por conseguinte, me presenteou com essa preciosidade. Não usava porque era um pouco largo, e foi ficando esquecido numa caixinha por décadas, mas não sei porque, tive a ideia de o colocar no dedo e serviu certinho. Pensei comigo: ele vai viajar para o lugar de onde veio.
Pela manhã, saímos do hotel, cujas janelas se abriam para a visão de um lindo castelo antigo. Íamos visitar o Santuário di San Michele Arcangelo, padroeiro da cidade, que fica no Monte Balzata. O anel estava no meu dedo, com a pedrinha azul, cor dos olhos da minha nona. Mas a igreja estava fechada, e ficamos tristes...
Do nada, apareceu um senhor que a abriu e pudemos entrar. Ele explicou que a imagem do padroeiro pintada no altar, teve uma imensa rachadura causada por conta de um terremoto que aconteceu em 1857. Tentaram fechar várias vezes, mas a rachadura sempre voltava, então, a deixaram ficar. Quando uma pessoa almeja uma graça, coloca a mão espalmada na fenda e a recebe.
Ao colocar minha mão sobre a rachadura para fazer meus pedidos e agradecer por tudo, a safira azul não estava mais no anel...Caiu em algum lugar. Como saber onde?
Voltei para o Brasil com o anel sem a safira. Creio que a pedra quis ficar no lugar de onde veio. Mistérios que a gente não consegue decifrar…
Ivana Maria França de Negri é escritora.