Em seu último vídeo gravado para o canal A Voz de Correntes, o empresário José Gonzaga Moreira, 80, o Zezinho do Ouro, anunciou ter recebido uma notícia que poderia abalar Correntes, município com cerca de 18 mil habitantes na região de Garanhuns, no agreste pernambucano.
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"São mais dez dias. Pode esperar. Vou te mostrar o que tu fizeste cinco anos atrás. Cinco anos atrás, o que tu fizeste, miserável", disse ele em conteúdo publicado em 5 de novembro no YouTube. O vídeo era um recado direto ao prefeito eleito de Correntes, Edimilson da Bahia de Lima Gomes (PT), alvo comum do canal.
O que o próprio empresário não sabia era que, ao fazer tal declaração, entregava a criminosos ter caído em uma armadilha. Dois dias depois, seria morto no condomínio onde morava, na zona norte de São Paulo, pelo homem que levaria a suposta notícia bomba.
A denúncia era, na verdade, um engodo para que o matador conseguisse chegar até ele. O assassino foi até o apartamento da vítima, onde concedeu uma falsa entrevista sobre um suposto abuso sexual cometido por Gomes. Na saída, atirou na nuca da vítima após se despedirem no portão. Um comparsa o aguardava na esquina em uma moto.
Para a família da vítima, trata-se de um plano engendrado por um grupo político de Correntes, liderado por Gomes, cujas supostas irregularidades vinham sendo denunciadas por Zezinho.
À Folha de S.Paulo Gomes negou participação no crime e disse ter tomado conhecimento da morte pela imprensa. "Edimilson lamenta o ato de extrema violência e espera que o caso seja devidamente apurado e os culpados punidos no rigor da lei", diz nota encaminhada pela assessoria do petista (leia mais abaixo).
Os familiares descartam outras hipóteses porque os criminosos usaram um preposto de Correntes para fazer contato com a família e ainda usaram um nome para se apresentar como uma vítima que, conforme pesquisas prévias, encaixava-se no perfil de um rapaz da cidade pernambucana supostamente abusado.
"Quem encomendou tinha informações privilegiadíssimas. Por isso que ele caiu, porque ele só atende essa pessoa porque, quando ele procura o Wyllyan, este confirma. ?Não, realmente tem essa pessoa lá, sim", disse o neto da vítima, Rodrigo da Silva Moreira.
Wyllyan da Silva Miranda é um jovem de 22 anos que diz ter sido violentado pelo prefeito quando tinha 14 anos e também saber de outros meninos que foram abusados, entre eles um com o nome usado pelo suposto assassino. Em depoimento à polícia, Miranda confirmou a história, mas não reconheceu o atirador como sendo a tal pessoa.
Zezinho, a vítima, é um personagem conhecido na literatura policial paulista. Nos 1990, depois de trabalhar como informante da polícia, passou a delatar esquemas de corrupção e envolveu cerca de 40 policiais em diversos crimes. Nesse período, chegou a sofrer um atentado, mas sobreviveu.
Tempos depois, já nos anos 2010, o nome dele voltou a circular nos meios policiais, desta vez sob a suspeita de liderar um grupo criminoso especializado em grilagem de terras com uso de documentos de procedência duvidosa. O empresário entraria em litígio em mais de uma centena de processos judiciais.
A vida de youtuber teve início em maio deste ano quando Zezinho compartilhou vídeos em comemoração ao aniversário dele de 80 anos. Como o material teve grande repercussão em Correntes, cidade natal do empresário, ele decidiu aventurar-se na produção de vídeos.
Ele passou a receber denúncias de moradores da região e a buscar outras por conta própria. Com esse material, passou a atacar o grupo de Gomes. Ao todo, em cerca de seis meses, publicou mais de 200 vídeos.
Conforme o promotor Alexandre Bezerra, a notícia da morte de Zezinho do Ouro repercutiu em Correntes. Ele mesmo diz ter recebido um áudio com indicação de supostos responsáveis pelo crime e espera pelo contato da polícia paulista para eventual colaboração.
A família da vítima também diz ter recebido dois áudios de moradores de Correntes que apontam o prefeito eleito como mandante e ainda indicam o executor do crime, Aílton Pereira da Silva, o Mulugu. Por isso, querem a prisão temporária de Gomes, pedido encaminhado à polícia.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública paulista diz que o caso é investigado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). "Familiares da vítima e seu advogado já foram ouvidos e as diligências seguem em andamento visando ao esclarecimento dos fatos."
Por meio de sua assessoria, o prefeito diz que jamais teve relacionamentos sexuais com homens e não conhece a pessoa que se apresenta como vítima. Sobre Wyllyan, a assessoria diz ser "um opositor político", contra quem também já foram tomadas medidas judiciais por calúnias.
"Tanto é que as falsas alegações do senhor Wyllyan só foram veiculadas justamente durante a disputa eleitoral, ou seja, mais de sete anos após os supostos crimes sexuais", diz trecho da nota.
Sobre Mulugu, apontado como suposto executor do crime contratado por Gomes, a assessoria diz se tratar de pessoa conhecida na cidade. "Edimilson reafirma, com veemência, que nunca planejou ou executou qualquer ato violento ou criminoso contra ninguém."
A Folha de S.Paulo não conseguiu contato com Aílton Pereira da Silva.