Há momentos nesta minha vida de sessenta anos de literatura, que percebo que tem valido a pena, ainda nesta idade, fazer o que faço. Vir a esta cidade significou olhar frutos de sementes que plantei aqui e por este Brasil. Ter voltado a Piracicaba e ver “alunos” meus de décadas atrás, com livros, contos, poemas publicados, gravuras, charges, o que seja, e participando de feiras, lutando pela leitura e arte me deixam perigosamente em paz comigo. Perigosamente porque se estamos satisfeitos baixamos a guarda, nos acomodamos, a ânsia por lutar se acalma. E não quero, nem posso me deixar em paz, preciso deste fogo que me atazana.
Mas, pergunto a você Ivana Maria, e a todas estas pessoas que me receberam, me conduziram, me apoiaram, levaram minha bengala, me deram carinho, água fresca, me levaram para comer peixe dourado do Chevette, que seria de mim não fossem as milhares de pessoas que estão por trás das feiras ou festas literárias?
Cheguei e subi ao palco, mas para isso acontecer sei, sempre soube, que um batalhão de pessoas trabalhou praticamente um ano montando a programação, contatando escritores, professores, poetas, artistas, dezenas, de pessoas nem sempre fáceis, principalmente na conciliação de agendas. Mensagens de todos os tipos, cartas, e-mails, whatsapp, telefonemas. Sim, não, talvez, vou ver, depende, estou comprometido até o ano 2026, tem de falar com meu agente, preciso consultar minha mulher, mentiras, subterfúgios. Monta-se a programação, enquanto de outro lado tem quem busque patrocínios, dinheiro para cachês, hospedagem, montagem da estandes, etc. afinal é um trabalho que o convidado faz, ele viaja, se hospeda, come. Um hotel colabora, outra pousada ajuda, um bar, dois, um restaurante, outro, aderem, são os solidários. Toda esta movimentação não leva um mês, ou semanas antes. Demora um ano, mais. O público se senta, assiste, aplaude, pergunta, tira selfie, pede autógrafos, mas pouco sabe do que há nos bastidores. Um bando de idealistas, malucos, aventureiros, combatentes que se esfalfam. Para minha mãe, mulher modesta, casada com um ferroviário, esfalfar era o máximo de trabalho humano, força, desprendimento, entrega.
Ivana, dirijo-me a você que foi quem, em nome desse batalhão de organizadores me buscou, me ligou, mandou, não sossegou, até eu me encaixar e vir.
Bendito momento que vim. Esta feira de Piracicaba foi especial. O “fósforo” que risquei lá atrás, talvez quarenta anos, tornou-se, um farol, uma luminária potente. Vocês mantiveram a chama acesa. Não imaginam o tanto que aprendi ao longo de minha vida com milhares de pessoas como vocês. Não cheguei onde cheguei sozinho, fui impulsionado. E nestas feiras ou festas mantive contato constante com companheiros, escritores de todo o Brasil e em emocionantes contatos com grandes escritores brasileiros. Todos que por anos e anos, a partir da década de 70 foram para as ruas, para as feiras, para toda parte, abrindo corações e mentes. com assombro desafiando dificuldades e montando feiras, festas literárias, encontros, mesas de autógrafos, concursos, oficinas literárias. Sei que é um momento complicado, os jornais acabam de anunciar que em nosso país se lê cada vez menos. Porém, estas feiras são um modo de fomentar leitura, mostrar a vantagem de ler, do livro, do romance, da poesia. Há um imenso inimigo, o celular. Este assunto, neste momento. começa a ser discutido mais a sério, ele foi deixado de lado. Por muito tempo as futuras feiras trarão este assunto para os palcos.
Por meio de Ivana vim aqui. Por meio dela falo e abraços todos. Não deixem esta festa literária desaparecer. O Brasil e a literatura e a cultura agradecem este esforço por meu intermédio. Vir aqui foi um instante de felicidade de longa duração. Muitos sabem que adaptei uma frase de Oscar Wilde.