Pedro Henrique Santin Brancalion, pesquisador da Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), em Piracicaba, foi reconhecido como um dos cientistas mais influentes do mundo. A distinção é da consultoria britânica Clarivate Analytics, que avaliou o impacto das publicações acadêmicas a partir do número de citações feitas por outros pesquisadores nos últimos dez anos. O ranking, divulgado em 19 de novembro, também destacou outros sete professores da USP (Universidade de São Paulo) entre os nomes de maior relevância global na pesquisa científica.
Professor, como o senhor recebeu a notícia de estar entre os pesquisadores mais influentes do mundo?
Fiquei muito feliz em receber este reconhecimento, que coroa muitos anos de dedicação e amor à ciência. Estou presente desde 2021 nesta lista de pesquisadores influentes, que é atualizada a cada ano, mas sempre fico na expectativa se estarei na próxima lista, pois a ciência é uma área muito competitiva e dinâmica. É uma grande satisfação para mim, poder representar Piracicaba, a ESALQ e a USP nesta premiação.
O senhor poderia falar um pouco da sua formação e da dedicação à ciência?
Eu nasci em Piracicaba e desenvolvi toda minha formação acadêmica aqui, tendo estudado no SESI, Instituto Baroneza de Resende, Liceu e, por fim, na ESALQ, onde fiz a graduação e o doutorado. Concluí o doutorado aos 26 anos e, depois de uma rápida passagem como professor da Universidade Federal de São Carlos, ingressei como docente na ESALQ, em 2011. Piracicaba é uma cidade muito rica em ciência e cultura, tendo tido papel de destaque em vários ramos do conhecimento e exercido forte influência em minha carreira. Frequentar o campus da ESALQ, pescar no rio Piracicaba e caminhar às margens do rio Corumbataí desde criança é que me levaram a decidir pela agronomia. A ESALQ é um centro de excelência acadêmica, que oferece oportunidades incríveis de desenvolvimento profissional, ao alcance de muitos jovens piracicabanos. Somando-se à tradição em pesquisa em ciências agrárias, Piracicaba tem se tornado um importante polo de inovação e empreendedorismo, promovendo uma conexão muito produtiva entre a universidade e empresas do setor.
O que significa ser um pesquisador altamente influente?
Significa que as ideias e resultados das minhas pesquisas, sempre desenvolvidas de forma colaborativa com uma ampla rede de pesquisadores do Brasil e do exterior, estão impactando tanto a ciência como a forma como decisões são tomadas. Os resultados de pesquisa são divulgados principalmente a partir de artigos em revistas especializadas, e estes artigos podem ser citados por outros estudos. No geral, entende-se que quanto mais os artigos de um determinado pesquisador são citados por outros trabalhos, mais influentes eles são na construção do conhecimento. É como medir a relevância de um influencer pelo número de seguidores que possui. Além desta forma de medir impacto, há questões relacionadas também à quantidade e qualidade da produção intelectual do pesquisador e do impacto de sua atuação na forma de patentes, políticas públicas e outras formas de influência na sociedade.
O senhor tem se dedicado à criação de modelos de restauração florestal e produção comercial de espécies nativas. Pode explicar como funcionam essas iniciativas?
A necessidade de preservar o meio ambiente é praticamente reconhecida por todos nos dias de hoje, mas resta ainda a questão delicada de como viabilizar isso. Eu desenvolvo pesquisas e projetos na área de restauração florestal, buscando meios de restabelecer florestas nativas em situações em que são extremamente benéficas para a natureza e para os seres humanos, como no entorno de nascentes, áreas vulneráveis à erosão e em corredores ecológicos. No entanto, para restaurar uma área é preciso deixar de utilizá-la para a agricultura ou pecuária, e com frequência investir uma quantidade razoável de recursos para viabilizar esta atividade, preparando o solo, plantando mudas, cuidando da área. E é aí que os problemas começam, pois embora a sociedade como um todo seja beneficiada pela restauração, a maior parte do ônus associada a ela recai sobre os proprietários rurais. Neste sentido, tenho desenvolvido dentro de meu grupo de pesquisa, com inúmeros alunos de graduação, pós-graduação e pesquisadores colaboradores, estratégias para tornar a restauração mais barata e também lucrativa, gerando retornos financeiros aos produtores rurais, pela exploração de madeira, geração de créditos de carbono e pagamento por serviços ambientais, e vantagens competitivas resultantes da certificação ambiental e acesso a novos mercados.
As suas pesquisas sobre restauração de florestas podem ser aplicadas na recuperação de áreas degradadas na bacia do Rio Piracicaba?
Sem dúvida, a Mata Atlântica e o interior de São Paulo têm sidos meus principais laboratórios a céu aberto, embora trabalhe bastante também na Amazônia e Cerrado. Como a maior parte das minhas pesquisas são desenvolvidas na região, seus resultados poderiam ser diretamente aplicados para melhorar a eficiência dos projetos de restauração. Mas infelizmente, meus principais projetos de extensão, nos quais os aprendizados da pesquisa são colocados em prática, são realizados bem longe de Piracicaba, onde tem havido uma maior demanda.
O senhor tem participação no projeto Corredor Caipira. Qual a importância dessa iniciativa para a biodiversidade da nossa região, quais os principais resultados até aqui e quais desafios precisam ser superados?
Piracicaba e região apresentam uma baixíssima cobertura de vegetação nativa, consequência da expansão histórica de pastagens e canaviais em áreas antes ocupadas pela Mata Atlântica. Adicionalmente, as poucas áreas de floresta nativa que sobraram foram e ainda são intensivamente degradadas, principalmente pelo fogo, consequência do uso anterior das queimadas para a colheita da cana e de queimadas generalizadas que têm ocorrido nos últimos anos, impulsionadas pelas mudanças climáticas. Diante deste cenário, torna-se imprescindível proteger o que sobrou e fazer novas matas nativas onde necessário, principalmente em locais importantes para reconectar áreas isoladas de floresta. Neste contexto, o projeto Corredor Caipira tem promovido um serviço fundamental à Piracicaba e região, restaurando florestas, criando corredores ecológicos e engajando os produtores rurais no processo.
Falando em Corredor Caipira, gostaria que abordasse o trabalho desenvolvido no Barreiro Rico e qual o aprendizado gerado pelas ações implementadas?
O Barreiro Rico é área florestal mais importante da região, sendo um dos últimos refúgios do muriqui-do-sul, o maior primata das Américas, criticamente ameaçado de extinção. A área do Barreiro Rico é pequena demais para conservar tanto o muriqui como outras espécies ameaçadas que ali vivem. Neste sentido, o projeto tem contribuído por meio da ampliação da área de floresta pela restauração e também por criar corredores ecológicos, viabilizando que a fauna possa acessar outras áreas de floresta, antes isoladas em meio à pastagens, canaviais e eucaliptais.
O modelo econômico que o senhor desenvolveu para a restauração florestal é viável para pequenos proprietários rurais em nossa região?
Depende da situação em que os modelos seriam implantados. Infelizmente, nenhum modelo de restauração é ainda capaz de superar o rendimento financeiro de áreas agrícolas, como aquelas ocupadas por cana-de-açúcar, milho e soja. No entanto, em pastagens extensivas de baixa produtividade, abundantes na região, já é possível ganhar mais dinheiro com a floresta. Mas para que estes modelos sejam viáveis, é preciso criar um polo, um conjunto de produtores de determinados produtos florestais que viabilizem a inserção destes produtos no mercado. Este é um dos principais fatores que tem limitado a adoção de modelos produtivos de restauração florestal.
Quais espécies nativas seriam mais adequadas para projetos de reflorestamento em Piracicaba?
Piracicaba tem mais de 300 espécies de árvores nativas, todas muito adaptadas ao clima e solo da região, bem como às espécies de insetos, aves e mamíferos que com elas interagem. Desta forma, se o objetivo for a restauração da floresta nativa, todas essas espécies são adequadas. No entanto, algumas espécies mais rústicas e de crescimento mais rápido, como o ingá, sangra-d'água, capixingui, monjoleiro e mutambo, apresentam importância mais pronunciada no início da restauração, por ajudar a sombrear o solo e diminuir a competição com capins, principalmente a braquiária. Caso se tenha interesse em produzir madeira, destaco o jequitibá-rosa, o ipê-roxo, o angico, o louro-pardo e tantas outras espécies nativas que produzem madeira de excelente qualidade. É possível também misturar árvores nativas com exóticas, como o eucalipto e o mogno, para criar sistemas de produção de madeira mais rentáveis e atrativos ao produtor rural.
Como o equilíbrio entre florestas e agricultura em toda a bacia PCJ pode beneficiar a qualidade da água do Rio Piracicaba?
Quem frequenta as margens dos rios Piracicaba e Corumbataí já está acostumado com a mudança da cor da água após fortes chuvas, que adquire uma coloração avermelhada. Essa mudança de cor ocorre em função do arraste de solo das áreas agrícolas para o rio, por meio da erosão, que transporta milhões de toneladas de solo todos os anos para dentro dos cursos d'água da região. Já na estação seca, o leito dos rios fica muito raso, entupido por sedimentos, fazendo com que a prefeitura tenha que investir hoje no desassoreamento dos rios e riachos. Isso só acontece em função do manejo inadequado do solo pela agricultura e pecuária, bem como em estradas rurais, deixando o solo desprotegido durante as fortes chuvas que caem em nossa região. Perdemos fertilidade do solo, bem como quantidade e qualidade de água, ninguém ganha com isso. Aumentar a área de florestas, principalmente em áreas mais vulneráveis à erosão, como encostas, pode ajudar muito a resolver esta situação, pois as florestas têm uma capacidade incomparável de proteger o solo. Além disso, elas prestam um serviço fundamental na beira dos cursos d'água, protegendo suas margens da erosão causada pelo próprio curso d'água e auxiliando na retenção de sedimentos, cumprindo sua função "ciliar", da mesma forma como nossos cílios ajudam a proteger nossos olhos. No entanto, qualquer programa de reflorestamento será ineficiente se o manejo do solo nas áreas produtivas continuar inadequado, tal como é em grande parte do território piracicabano, e se o esgoto não for tratado.
Como o senhor vê o papel de Piracicaba na promoção da restauração ecológica em larga escala?
Piracicaba se consolidou como um dos maiores polos de desenvolvimento de tecnologia para o agronegócio. Somos hoje a terceira cidade em número de startups do agro e cada vez mais referência em pesquisa e inovação em meio ambiente. Não por acaso, a re.green, empresa líder do setor de restauração florestal, na qual atuo também como cientista, escolheu Piracicaba para implantar seu escritório técnico-operacional e seu viveiro florestal, que produz mais de 3 milhões de mudas de árvores nativas por ano. Recentemente, estabelecemos na ESALQ o Centro de Estudos em Carbono em Agricultura Tropical, o CCarbon, onde estou atuando como diretor de inovação, que visa tanto reduzir a emissão de gases do efeito estufa pela agropecuária brasileira como aumentar sua retenção e sequestro de carbono. Este centro, coordenado pelo prof. Carlos Cerri, rapidamente se tornará num polo de excelência internacional e auxiliará tanto o Brasil como outros países tropicais a produzir com sustentabilidade. Neste contexto, vejo muitas oportunidades para que Piracicaba se torne referência em restauração em larga escala. No entanto, seria fundamental que todos esses avanços que estamos promovendo com outros colegas nas frentes de pesquisa, desenvolvimento e inovação fossem acompanhadas por ações práticas de restauração no município, que ainda deixa a desejar neste assunto.
Temos observado com mais frequência tempestades com grande volume de chuva em pouco tempo e ventos muito fortes. Por outro lado, enfrentamos na época de estiagem secas intensas e altas temperaturas. Essas condições, em sua opinião, estão ligadas a um desequilíbrio ambiental provocado por ações humanas?
Sem dúvida, estes desequilíbrios confirmam as previsões feitas há anos – na verdade, décadas já – pelos cientistas. Muitos céticos, com frequência exercendo forte influência em processos de tomada de decisão, preferiram pagar para ver, e o resultado está aí agora, já não há como negar as mudanças climáticas. Temos visto um agravamento intenso das anomalias climáticas, sendo fundamental não apenas encontrar meios de mitigar, desacelerar as mudanças climáticas como também se preparar para o pior. Precisamos aumentar a resiliência das áreas rurais e urbanas, torna-las mais capazes se aguentar o tranco das mudanças climáticas sem maiores prejuízos para todos. A restauração de florestas pode em muito ajudar neste processo, principalmente se promovida de forma integrada com outras ações de sustentabilidade ambiental, principalmente na agricultura. É sempre melhor prevenir do que remediar, mas agora não temos escolha, precisamos urgentemente dos dois.
Que tipo de políticas públicas seriam necessárias para apoiar a restauração florestal na nossa região?
Primeiramente, deveríamos fazer cumprir a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, que substituiu o Código Florestal. Um rápido passeio pela zona rural de Piracicaba evidencia que esta lei vem sendo largamente descumprida. Em segundo lugar, deveríamos fomentar um modelo alternativo de uso do solo em áreas de menor aptidão agrícola, criando condições para que o produtor rural ganhe mais dinheiro restaurando do que degradando o meio ambiente. Muitas destas áreas marginais foram sendo liberadas pela cana, que está se concentrando cada vez mais em áreas planas e mecanizáveis, e ocupadas por pastagens de baixa produtividade. Além de gerar pouco retorno financeiro, o uso destas áreas, principalmente as mais declivosas, pela pecuária mal manejada agrava a erosão do solo e prejudica os recursos hídricos. Com o devido apoio público, principalmente em nível estadual e federal, poderíamos criar políticas públicas de apoio à restauração. Praticamente todos os setores da agropecuária contaram com forte apoio governamental e subsídios agrícolas, principalmente durante suas fases iniciais. Com a restauração não seria diferente, precisamos de políticas públicas eficientes para viabilizá-la como opção atrativa ao setor privado. Se fosse para apontar um caminho, sugeriria vincular o acesso ao crédito agrícola, principalmente às taxas mais atrativas, à adequação ambiental das propriedades agrícola, requerendo minimamente a restauração das áreas exigidas por lei.