12 de dezembro de 2024
ARTIGO

Saborear ilusões e o absurdo


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Essa – a que a humanidade estamos celebrando – é a mais bela história jamais contada. Nem a exuberância das “Mil e Uma Noites” se lhe compara. É de tal forma extraordinária – e reconhecida e narrada através dos séculos – que os absurdos nela contidos nem mais são considerados. Ainda hoje, aceita-se a expressão atribuída a Tertuliano, repetida por Santo Agostinho: “Credo quia absurdum”. Creio por ser absurdo.

Pois, à simples razão humana, não há como se entender o que aconteceu. Fosse um conto de fadas, história da carochinha, aceitar-se-ia então a fantástica narrativa anunciada por aquela estrela de Belém. O grande privilégio, porém, da humanidade está no fato de, quase sempre, a fé preceder a razão. Aceita-se inicialmente, mas duvidando. Ao depois, reflete-se e, então, busca-se a verdade. É quando fé e razão podem conjugar-se.

A história que celebramos foi, tem sido analisada, perscrutada por mais de dois mil anos. E não apenas neste ou naquele lugar. Nem, também, nesta ou naquela época. É um evento universal que envolve até mesmo os mais incrédulos. De alguma forma – por mais estranha seja – o mundo aquieta-se. Bombas silenciam, guerras interrompem-se, estranhos dão-se às mãos. E uma mesma canção – a que saúda e deseja uma noite feliz – é entoada em quase todas as línguas, anunciando a “chegada de Deus, Jesus Salvador”.

A alguém – porventura alheio ao mundo – não haveria, talvez, como explicar. Pois grande parte da humanidade estará reverenciando, emocionadamente, o nascimento de uma criança que terá um fim trágico. Que será espancada, humilhada e imolada numa cruz. Que, morta, ressuscitará. E voltará a desaparecer. Cuja imagem dolorosa, porém, permanecerá viva e lembrada em cruzes, crucifixos espalhados por todo o mundo.

“Absurdum”, o morto será venerado, amado, adorado em carne e em espírito. E, também, ignorado e negado. Como crer no que se considera impossível? No entanto, é o que, nesses dias, se celebra e busca trazer comunhão ao mundo. Reconta-se a história que se renova, que se não completa, a mais intrigante narrativa que se conhece. Sobreviveria, não fosse crível? Arrebataria mais de um bilião de pessoas, fosse invencionice?

Haverá – como sempre ocorreu – quem diga sejam ilusões. Mas, quem nunca as teve ou ainda as tem? De alguma forma, parecem, elas, algo próximo à esperança. Aquele querer ser, querer ter, um confuso desejo entre ficção e realidade. A dureza, em todos os tempos, de uma realidade cruel cobra do ser humano enfrentá-la com os recursos que tiver. Ao se entender ilusões também como devaneio, talvez simples forma de fantasia da imaginação, há que se compreender, então, a necessidade de tê-las. E de saboreá-las. Pois o iludir-se a si mesmo é qual o sonhar de olhos abertos. Mais do que fuga, assemelha-se a um respirar da alma.

Fôssemos capazes de fugir ao comercialismo, à materialização da milenar festa natalina, poderíamos – por que não? – recuperar a simplicidade das coisas. Pois até mesmo esse Papai Noel era mais afetuoso. Ele não ia buscar – nas grandes lojas e departamentos – presentes exuberantes. Mesmo as crianças esperavam dele pequeninos regalos, pequeninos como seus sonhos. Uma boneca, uma bola, um patinete. Ou, mais especial ainda, um vestidinho novo costurado pela mamãe, um carrinho de madeira feito pelo papai.

Mas que fazer? Acreditar que sejam outros os tempos – quando, na verdade, são as mesmas ambições das pessoas – é negar o significado de Natal. Mesmo que seja uma outra ilusão, é o imenso absurdo no qual deveríamos crer.