O artigo 53 da Constituição Federal determina que “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” (negrito nosso). No dicionário da língua portuguesa, “quaisquer” é sinônimo de “todas” ou “seja qual for.”
A interpretação da norma constitucional deveria ser simples: a imunidade parlamentar para palavras, opiniões ou votos é absoluta, porque assim quis o Constituinte brasileiro, que, ao escrever a Constituição nacional, inspirado na Constituição americana, utilizou o vocábulo “quaisquer” para deixar claro que deputados e senadores são resguardados por “todas” as suas opiniões, sejam elas quais forem.
Mas, o Supremo Tribunal Federal vem subvertendo o significado da língua portuguesa e da ordem constitucional, de modo a alterar completamente o sentido da norma criada pela Assembleia Constituinte, restringindo a imunidade parlamentar, como se no art. 53 constasse o pronome indefinido “algumas” e não “quaisquer”. Nos últimos dias, na esteira do indiciamento ilegal do deputado federal Marcel van Hattem pela Polícia Federal, por discurso na tribuna da Câmara dos Deputados, o Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ex-membro do STF, defendeu na própria Câmara que a imunidade parlamentar não abarcaria ofensas contra a honra.
A afirmação do Ministro é esdrúxula. Se a verbalização de quaisquer ofensas pudesse ensejar abertura de processos civis ou penais, parlamentares simplesmente não gozariam de “imunidade parlamentar”. Se deputados ou senadores fossem todo o tempo processados por opiniões, palavras, ou votos, na prática, estariam impedidos de exercer o próprio mandato legislativo. Em outras palavras, ficariam impossibilitados de defender as opiniões dos eleitores que os elegeram e que têm o dever de representar. Congressistas detêm imunidade garantida pela Carta Magna para o pleno exercício da missão parlamentar.
Uma das principais funções do Poder Legislativo, na democracia, é o monitoramento dos Poderes Executivo e Judiciário. Tanto é que cabe a membros do Legislativo votar o impeachment ou crimes de responsabilidade do Presidente da República ou de Ministros do STF. Assim, é prerrogativa do parlamentar denunciar ilegalidades, crimes, desvios de conduta e ações reprováveis de outras autoridades, incumbência da maior importância olvidada pelo Ministro da Justiça. Como realizar denúncia de crime sem “ofender a honra” de alguém?
Ora, se partirmos do raciocínio capenga do Ministro da Justiça, todos os denunciados poderiam se valer de suas “honras ofendidas” para inviabilizar quaisquer denúncias de quaisquer autoridades por quaisquer congressistas, o que levaria, necessariamente, ao fim da atribuição de fiscalização do parlamentar.
Há claro nexo de causalidade entre proferir quaisquer opiniões e palavras com o exercício efetivo do mandato parlamentar. Com o risco de se tornar alvo de processos civis ou penais por suas palavras, o parlamentar deixará de monitorar as ações ilegais de outras autoridades, perdendo poder essencial para o cumprimento de suas obrigações. Terá receio ou medo de cumpri-las.
Portanto, o instituto da imunidade parlamentar é pilar fundamental da democracia, resguardando o princípio da separação dos poderes, tal como concebido por Montesquieu e consagrado em cláusula pétrea na Constituição. A prevalecer a visão do Ministro, as opiniões e palavras dos parlamentares passariam a ser invioláveis somente quando do agrado dos fiscalizados, o que, em si, é contrassenso.
Como lembrou o deputado Marcel van Hattem: “Quando a polícia federal indicia um parlamentar, ela está indiciando o povo brasileiro”. É preciso que os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado defendam as prerrogativas dos congressistas sob pena de o Congresso Nacional se tornar somente instituição decorativa.