04 de dezembro de 2024
ARTIGO

O prefixo “re” em nossas vidas 


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Então, o escriba caipira foi procurar um certo livro em sua biblioteca. Não o encontrando, viu-se despertado por outros, já lidos e manuseados. Mas esquecidos. Folheou um, outro, leu alguma coisa deste, daquele. Sentiu ser quase íntimo deles, tomado por recordações de tempo, de lugares, coisas, acontecimentos. E de pessoas. Separou, então, um Machado de Assis, um Eça, um Buber, uns dois de Leloupe. Esqueceu daquele que procurava, ao folheá-los. Pareceu-lhe um fascínio. Encantou-se.

Não imaginou ter-se iniciado, para ele, uma outra caminhada. Não mais em busca, à procura de algo. Mas uma volta a algo conhecido, ao já vivido do qual não se lembrava ou evitara fazê-lo. Aos poucos – deixando-se tomar por sensações pacificadoras – deu-se conta de que, re-lendo o já lido, vivendo-o, fazia-o, porém, como se pela primeira vez. E entendeu: re-ler é, também, um re-encontro. E o re-encontro é, de certa forma, um re-torno. Então, confirmou-se-lhe: palavras – qual o  prefixo “re” – podem explicar o acontecido que, muitas vezes, não se entendera.

Re-ler é um re-torno. Um re-gressar. E, conforme a consciência de cada um, também um re-formar, um re-tomar. Pois, a vida são re-construções, re-começos, re-inícios. E isso, de alguma forma, significa re-novar, re-novar-se. Nesse re-ver e re-ver-se, o coração há que pedir para re-tificar erros e tolices cometidos. E ra-tificar belas convicções talvez esquecidas. Re-tratar-se, se necessário. E, então, re-visar o que ainda vier em auxílio a uma vida melhor. Pois, re-cordar é re-viver, um re-lembrar re-alidades re-animadoras.

Continuamos, porém, vivendo de tentações. Há aquela oração cristã em que o Filho suplica ao Pai para “livrar-nos das tentações”. Por quê? Ficar na versão de Eva ter sido “tentada” pela serpente, parece-me, ainda agora, maldade contra a mulher. Começa pelo simples fato de serpente não falar. E, em especial, por a mulher ter sido presente divino para o macho solitário da história. Quem não fica “tentado” não apenas por alguém, mas por algo, por um sonho, por uma ideia? O escriba tem, ainda hoje, algumas tentações que, na verdade, o desafiam. Uma delas: furtar algo de supermercado. Nem que seja uma só banana. Que desejo, que tentação! Mas não se deve fazê-lo, né?

Volto ao infalível companheiro, o “re”. Já admiti nem sempre precisar re-tratar-me. Nem mesmo re-visar o re-velado. Ei de ra-tificar o bem e o bom com que a Vida nos privilegia. E re-tificar erros, males, equívocos cometidos. É um re-ver permanente apenas possível e benéfico se, antes disso, houver o re-ver-se a si mesmo. Há-se que fazê-lo, porém, após re-forçar-se para suportar a própria verdade.

A sabedoria de viver, todavia, ensina-nos, sim, a, muitas vezes, re-troceder. A re-trair-se. Descobre-se que não adianta apenas re-voltar-se. Com humildade, entende-se haver muito a re-tribuir, muito a re-verenciar. Ao simplesmente re-tirar-se do palco, ao re-vistar-se a si mesmo, pode-se re-encontrar a grande re-sposta: re-umanizar-se , buscando, ao depois, re-umanizar seus ambientes. Seria um re-volucionar o comodismo e a indiferença, um re-vitalizar o que parecia inerte. E re-cuperar a esperança.

Re-vestir-se de alegria, re-verenciar o privilégio de viver, re-descobrir significados esquecidos, re-vitalizando-se moral e espiritualmente, o homem pode re-volucionar o Mundo. É, enfim, a re-conquista de si mesmo. E, talvez, uma re-viravolta. A partícula “re”, pois, faz parte de um sonho re-al: a re-ssurreição de cada um diante de suas próprias e mortais re-signações.