04 de dezembro de 2024
ARTIGO

Diz que é de Piracicaba, mas ...


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Diz que é de Piracicaba, mas nunca andou de elevador panorâmico na Ponte Arquiteto Caio Tabajara... Diz que é de Piracicaba, mas nunca visitou o Salão de Humor ... Diz que é de Piracicaba, mas nunca foi a Esalq ...

Tiradas como estas povoaram o Facebook anos atrás e, se a memória não atrapalhar, foi antes da pandemia, possivelmente em 2018, perpetuando-se por meses. Era um jogo de adivinhação salutar, com as lembranças sendo expandidas pelos comentários nas postagens. Atrás destes comentários, fazíamos a massa cinzenta cerebral reviver momentos gostosos do passado. Chegamos a mexer em coisas da tempo do Zagaia ! Quem ?!? Ora ! Que adianta dizer que é piracicabano e não conhecer Zagaia ? Aliás, usamos este termo sem saber quem foi distinta pessoa. Eu, confesso, não uso, mas ouço muita gente usar esta frase.

Bom. Este preâmbulo serve para dizer que, com mais de 400 mil habitantes, Piracicaba, acolheu muita gente que encontrou a “terra arada, semeada e com plantação dando frutos”, desconhecendo aqueles que por aqui lutaram, deram suor e sangue. Piracicaba como conhecemos é uma. Piracicaba como ela é realmente, torna-se outra. Os mais antigos e tradicionais a enxergam de uma forma diferente da visão dos “estrangeiros” que por aqui se aportaram.

É a “síndrome da ponta do nariz”. Pois, bem. Por mais que a ponta do nariz esteja diante de nosso olhar, nunca a notamos. Piracicaba é assim. Está na ponta do nariz e muitas vezes não damos valor aos pontos turísticos, à sua gastronomia, à sua riqueza cultural. Saímos do pejorativo “quintal de Campinas” para sermos o jardim de nossa própria cidade. Exemplos disso? Vejam os motociclistas que, de outras cidades, vem a rua do Porto no final de semana ... Os pontos atrativos e turísticos cheios de pessoas durante as férias, as movimentações em pontos de caminhada como o Parque da Rua do Porto ou a Estação da Paulista. Até outro dia saíamos no Shopping Center lendo as cidades de onde vieram o veículos – agora, com o novo design das placas do Mercosul, sabemos apenas que ele são do ... Brasil. Querer enxergar além da ponta do nariz exige um exercício que nos perpassa o estrabismo ou miopia, com grande ganho cultural.

Até os anos 1980, não tínhamos um centro cultural na Estação da Paulista. Tínhamos trens de carga que impossibilitavam nossa entrada no espaço. Hoje caminhamos, andamos de bicicleta, utilizamos equipamentos (com acessibilidade, inclusive)... O Engenho Central era tão fechado quanto a Chácara Nazareth ou o Casarão de Luiz de Queiroz. Eram pontos particulares. E hoje ? O Salão Internacional de Humor, que completou 50 anos é um bom exemplo desta ocupação.
Com a criação do calçadão da praça José Bonifácio, no início dos anos 1980, o piracicabano ganhou um moderno centro de lazer, muito além da ESALQ que proporcionava até então piqueniques, passeios de bicicleta ou empinar pipas. Os “Domingões” chamavam as famílias para a praça. Foi lá, aliás, que, com meus quase 10 anos, aprendi a jogar xadrez.

E a gastronomia ? Quem viveu os anos 80 comia o sanduíche churrasquinho do Bar do Décio, o prensadão da avenida Armando de Salles de Oliveira ou a canja ou sopa de cebola do Saravá. Que mais ? Tínhamos de esperar um ano todinho para provar uma esfirra aberta na Festa das Nações que ocorria no Lar Franciscano de Menores. Pastel, então, apenas no Mercado Municipal, consumido somente no horário comercial – impróprio para quem trabalha o dia todo. Churros ? Apenas na Eletroradiobraz (atual Pão de Açúcar da Cidade Alta). E hoje ? Compramos churros e esfirras a qualquer momento e por aplicativo ! Muitas famílias iam para Campinas visitar o Makro, primeiro atacadão da região. E ter a carteirinha desta rede era símbolo de status. “Fui a Campinas e comprei galão ou pacote de tal produto, algo inacessível a você” ... Era o “ó do borogodó” ... Ostentação para poucos. O Makro abriu em Piracicaba fechou suas portas e ninguém deu conta ...

Melhorou ou não ? Muitas outras referências tivemos ao longo deste período, claro. Destaco aqui alguns poucos, devido à limitação do espaço.
Vivemos períodos pós pandemia, voltando a circular pelos pontos turísticos. O fato não é conhecer o que já se conhece e sim enxergar além da ponta do nariz. Ver a beleza de pontos como o Aquário Municipal, os Teatros Municipais, saborear uma boa gastronomia à beira do rio Piracicaba ... Enxergar com amor é acabar com estereótipos e principalmente preconceitos.