21 de dezembro de 2024
ARTIGO

“In illo tempore”


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    “In illo tempore” – ah! aquele tempo, naquele tempo... Até uma criança tem lembranças, recordações de anteriores experiências de vida. Uma boneca, uma bola, desejos simples que, no entanto, lhe pareciam tesouros. E, por óbvio, quase todos consideramos terem sido, os tempos passados, melhores do que a hora presente. Não poderia ser diferente, embora nem sempre verdadeiro. Pois é “in illo tempore” que começou a formidável experiência de viver. As descobertas, encontros, realizações, ao lado, também, de perdas e danos.  
    Quanto mais se vive, mais há a se contar. Chega-se ao momento, então, de toda narrativa começar com o “Era uma vez...” E, certamente talvez, poder-se-ia isso afirmar a respeito da educação e do ensino neste país. “Naquele tempo, era uma vez...” Contar-se-iam, então, as exigências das escolas, o respeito aos professores, a universalidade do ensino. E a orientação para a coexistência civilizada, para a urbanidade. Ainda a propósito, há que se lembrar ter havido uma disciplina exatamente com esse nome: Civilidade. Que não sei se ainda é ministrada. 
    Pois bem. Parece que apenas “in illo tempore”, “naquele tempo” havia diferenças entre o que se entende por “língua escrita” e “língua falada”. Escrever era uma arte que implicava sérios e muitas vezes prolongados estudos. Daí, pois, a existência de profissionais da escrita, de professores, de estudiosos, de pesquisadores. E o jornalismo era, sim, um dos bastiões da Língua Pátria. E tanto o foi, e tão reconhecidamente, que as redações de jornais eram consideradas verdadeiras escolas dessa arte de escrever. Notáveis escritores, intelectuais iniciavam suas carreiras escrevendo para e em jornais, submetidos ao rigor diria que até impiedoso quanto aos textos. 
    Ter um texto aceito para publicação em jornais era motivo de orgulho para o seu autor. E, muito em especial, para os jovens. “Saiu no jornal”, “deu no jornal” foram expressões que, antes de mais nada, denotavam confiabilidade. E, para o iniciante, significava ter sido aprovado pelo menos em primeira prova. Apenas o tempo consolidava o talento, talvez a vocação do possível pretendente à arte de escrever. Erros grosseiros de redação, de concordância, de questões pronominais eliminavam, já de início, qualquer possibilidade de ocupar espaço nas, então, quase que sacrossantas páginas do veículo. Errar era inadmissível. 
    Tratava-se, também, de um aprendizado. Mesmo os mais experientes e talentosos profissionais sabiam estar aprendendo dia após dia. Pois a Língua Pátria é desafiadora nas suas exigências, em seu formalismo. Da crase, dizia-se que ela “não fora feita para humilhar ninguém”. Mas humilhava e ainda humilha.  E os “por que, por quê, porque, porquê”?  E o “se”? Num mesmo anúncio de empreiteiro, pode estar escrito: “Constroem-se casas. Precisa-se de pedreiros”. E daí? Daí ser preciso estudar o porquê disso, porque alguém sempre perguntará por que essa confusão toda. 
    “In illo tempore” era assim. E o desafio quanto à pontuação correta? E o, para este escriba, miserável hífen, minha derrota diária? A tal ponto é martirizante que, ao trabalhar, tenho, ao alcance das mãos, diversos dicionários. Pois a língua escrita tem exigências que a falada, com sua riqueza informal, não tem. 
    Pronunciar a palavra exceção é mais fácil do que escrevê-la. Não deveriam, então, os jornais cobrar mais de nós, colaboradores, jornalistas ou não? Pois assistimos ao despetalar da flor que Olavo Bilac cantou:
    “Última flor do Lácio/ inculta e bela./ És, a um tempo, esplendor e sepultura...”