23 de novembro de 2024
ARTIGO

Sexo e prazer


| Tempo de leitura: 3 min

Revendo várias anotações das aulas das minhas duas pós-graduações em sexualidade encontrei temas interessantíssimos que, a medida do possível, vou compartilhar com vocês nas próximas edições.
O tema acima foi anotado numa das aulas do professor Flávio Gikovate. Acompanhem:
Ele dizia que existem vários motivos que vêm impedindo as mulheres de desenvolver uma postura prazerosa e gratificante em relação ao sexo, e que a questão do prazer deve ser entendida também pelo ângulo mais geral, no qual também são afetados os homens. Nossa cultura não é muito simpática à ideia do prazer, que sempre está associado a conceitos moralmente duvidosos, como futilidade, ócio, egoísmo, etc.
Ele afirmava que nós crescemos cercados da noção de que o prazer não é uma virtude e sim um vício. As virtudes estão do outro lado do meio-termo: são elas o sacrifício, a generosidade, etc. Para ele vários componentes participaram dessa construção moral que privilegia as dores e deprecia os prazeres. O primeiro deles está ligado ao que é mais difícil: a busca do prazer é a resposta natural de qualquer criança, ao passo que abrir mão dele implica um processo mais sofisticado e que leva tempo para ser atingido. Depois, existe uma luta permanente dos homens no sentido de ser mais do que um simples animal: o homem é o único capaz de abrir mão de um direito seu em favor de uma outra pessoa, o que faz da generosidade uma aquisição muito especial. Mais que depressa, a vaidade participa desse processo, de modo que a pessoa se sente superior e poderosa ao ser capaz de renunciar. Surge um novo prazer: a renúncia aos prazeres determina o prazer da renúncia.
Dessa forma, as pessoas que perseguem o prazer acabam por ser vistas como fúteis e sem nenhum tipo de sofisticação moral. Isso, mesmo que o façam respeitando os plenos direitos das outras pessoas. Sim, porque seria muito razoável pensarmos que a questão moral só deveria estar relacionada com situações interpessoais em que uma delas poderia prejudicar desnecessariamente uma outra pessoa. Nossa cultura interfere também naqueles aspectos íntimos, como é o caso da nossa sexualidade.
O sexo foi, por longo tempo. particularmente censurado ao se exercer de modo solitário na masturbação. É óbvia a interferência de princípios reguladores desnecessários cm nossa vida íntima. Afinal de contas, é difícil imaginar algo mais inofensivo do que a masturbação acompanhada de qualquer tipo de fantasia erótica. Aliás, as simples fantasias já não são muito bem vistas.
Sabemos que nossa concepção a respeito do assunto vem mudando nos últimos tempos. Porém, ainda são fortes as influências dessa mentalidade que se opõe ao prazer. A oposição aos prazeres sexuais, em particular, é a mais dramática e terrível de todas. Aqui o professor se refere justamente à busca desse prazer sem nenhuma finalidade: não como prova de amor, nem com o objetivo de dar satisfação ao parceiro. E ainda ironizava dizendo que o maior crime é exatamente o de gostar do sexo (rsrsrs). O sexo, segundo essa visão moralista tradicional, seria menos pecaminoso se estivesse a serviço de alguma finalidade. Como puro prazer sempre foi visto como vulgar, especialmente quando é exercido por mulheres.
Talvez possamos agora refletir mais profundamente sobre a importância que tem o “ficar”, criado pelos adolescentes. O “ficar” nos ensina que é possível a troca de carícias eróticas apenas pelo prazer mesmo depois do surgimento da sexualidade adulta.