Será o já vivido responsável por visão de mundo tão distinta? Ou são livros lidos ensinando a pensar para encontrar soluções práticas à vida? Bom seria que isso tudo surgisse ao despertar dos dias.
Fosse assim talvez não houvesse ilusões e sonhos.
Só mesmo quem, primeira e segunda infâncias, na solitude, descobre a vida, e brinca consigo mesmo valendo-se do que rodeia seu espaço, entenderá o que digo.
Os tantos que souberam fazer do galho de árvore, brinquedo mais lúdico que os já prontos, reviverão, na lembrança, o que dita o conto. Quem soube valer-se do balanço em árvore alta em busca de espaços inimagináveis, passando por vias-lácteas e estrelas, invisíveis, igualmente belas, tocando o sol depois de perfurar nuvens, entenderá.
Na madurez, ao descobrir-se o viver, quando é possível descobrir que os dias se ajeitam com prazer e dor, a memória começa a rever o que ficou atrás e engavetar isto e o visto e vivido.
Aprende-se a entender a vida, a lidar cm este esquenta e esfria, aperta e solta. E segue-se a velha lição de contar tempo dividido em gomos.
A divisão em pedaços é quem, mais tarde, tará, no bojo, saudade, amor, o rio que corre, o chuá de cascatas e fontes, o luar, a extensão do mar, a floresta, a maldade humana. A maldade humana.
Hoje, já me é possível remexer lembranças. Olhar pela janela não para amanheceres com algazarra e festa.. Quando pequeno, a janela, ao abrir-se, revelava sol ou chuva. A noção de espaço, outro, e o universo não ia além do que alcançava a vista.
Naqueles longes, interessava saber da meninada, sem entender de hora ou tempo. Se falar na disposição para as farras do dia. Olhar acompridado em busca notícias do corre-e-pega, da bola, da peteca, dos folguedos.
A crueldade do tempo se mostra e os ombros aprenderam a suportar o mundo. Demora-se (ou não?) a ver, além do presente, o que esconde o futuro?
O instante da descoberta traz dúvida escondida que incomoda, questiona. Já não mais adianta alongar o olhar pela janela em busca de descobertas ou respostas.
Chega um tempo em que a porta da casa é quem se abre não só para ver, mas para encontrar novos rumos. Sob o céu, traçam-se caminhos que nos levam a diferentes espaços. Estranhamentos e medos, alegrias, descobertas que, sem dizer nada, permitem construir, em cada fase, instantes vividos, presentes interpostos entre passado e futuro.
Agora, ao menos para mim, ao abrir as janelas, outro é o sentido. Mal se arma a manhã, abro janelas. O horizonte é outro? Não. Só revela proximidade inesperada. Não mais espaço para inquietudes. Certeza. Contorna as barras do limite, sem utopias. Perdeu-se o desejo do futuro ou a certeza do indesejado, do desconhecido?
Ao entardecer, hora morna em que o sol se vai quase sem despedir-se, encontro nas cores com que colore-se o céu, entendimento bastante para a vida.
Naqueles longes, pega-pega, pés descalços, braços nus, tendo no tronco da mangueira, pique. Campos longos e largos, caminhos apedregulhados enxarcados de luz, infância livre e solta. Hora de sol a pino. Igual. Abrasador. Parece impedir a teia de esperanças. Ou é possível e a vista não alcança?
Os passos têm outro compasso à procura de apoio. Aprendi, com o bardo inglês, a não permitir ao tempo zombar das marcas, dos espinhos, das lembranças impostos por ele como marcas de vida.
Valho-me, então, dos versos do poeta para celebração. Repasso o que foi e o que é. Sem ilusões maiores. Que tempo? Quando!