Estudo realizado pelo 2º promotor de Justiça de Piracicaba, Aluisio Antonio Maciel Neto, revela que o índice de inquéritos instaurados pela Polícia Civil é deficitário em relação ao número de ocorrências criminais registradas. Com exceção dos crimes de homicídio consumado e de porte de arma, os demais delitos informados apresentam deficit de conversão de ocorrências em inquéritos policiais. De acordo com o estudo, cerca de 80% dos fatos criminosos noticiados não se materializam em procedimentos de investigação.
O promotor explicou ao Jornal de Piracicaba o que o motivou a promover o estudo. “Foi realizado a partir de uma situação concreta em Piracicaba: um pedido de incineração de quantidade relevante de drogas sem que tenha sido instaurado inquérito policial para apuração da autoria do tráfico. A partir daí, passamos a requisitar os dados estatísticos do Estado de São Paulo e de Piracicaba”, explicou.
De acordo com o promotor, o estudo, feito com dados de 2014 a 2023, apontou a existência de três zonas de impunidade. “O que seria isso? A Justiça Penal se desenvolve em uma linha de atos, que começa na notícia do fato criminoso e termina com a sentença transitada em julgado. Entre a notícia do fato e a formalização da investigação, identificamos que cerca de 80% dos crimes não são formalmente investigados. Em alguns crimes, como roubo ou furto, esses dados atingem 90%. Em segundo momento, do total de ocorrências e investigações, uma porcentagem ainda menor se transforma em ação penal; algo em torno de 5% no geral. E, em terceiro momento, há ainda as absolvições por falta de provas”, explica.
Em Piracicaba, o levantamento mostrou que os casos de furto são menos investigados: 93,6% dos casos não se materializam em inquéritos. “Em outras palavras, cada furto cometido tem aproximadamente 92% de chance de não ser investigado”, diz o estudo. Já nos casos de roubos, a taxa de não conversão da notícia do crime em investigação é de 87,7%.
O baixo índice de procedimentos de investigação em relação ao número de ocorrências criminais está diretamente ligado ao efetivo da Polícia Civil. No Estado de São Paulo, a corporação tem 41.912 cargos, mas pouco mais da metade, 24.781 efetivamente ocupados. “Essa defasagem, ao longo dos anos, acarreta uma absorção linear e pequena do universo de ocorrências criminais existentes. De outro lado, ainda constatamos que as prisões em flagrante refletem percentual baixo dentro do total de crimes”, disse o promotor.
Questionada, a SSP (Secretaria Estadual de Segurança Pública) informou que tem feito contratações para reduzir o deficit na Polícia Civil. “Há 3,3 mil policiais civis com formação prevista para setembro deste ano, além de outros três concursos para o preenchimento de 3.135 vagas para delegados, escrivães e investigadores. Em maio houve a maior nomeação da história da Polícia Civil, com a convocação de mais de 4 mil candidatos”, informou.
Para o promotor, o estudo mostra que há um ‘grande problema de segurança pública’. “O pouco universo de crimes apurados e punidos causa um ciclo de impunidade que se auto alimenta com o cometimento de mais crimes, pois a chance do criminoso não ser punido é maior do que ser. De outro lado, o estudo afasta certos mitos que criamos de que “encarceramos em massa”. Isso é uma falácia. Na verdade, punimos de menos. É preciso mudarmos os nossos paradigmas, levar a segurança pública a sério e observar a necessidade de dar uma resposta efetiva à criminalidade”, afirmou.