16 de novembro de 2024
JULIANA VICENTIN

‘As mulheres estão no futebol por mérito e competência’ 

Por Erivan Monteiro | erivan.monteiro@jpjornal.com.br
| Tempo de leitura: 8 min
Divulgação/FPF
Juliana integra os quadros da FPF e da CBF

A piracicabana Juliana Vicentin Esteves sempre acompanhou futebol no estádio com o pai, Irineu Esteves. Desde pequena, começou a sentir o ambiente das arenas, o calor da torcida e as alegrias e frustrações de alguém que está de alguma maneira envolvida com o esporte mais popular do mundo. Com o tempo, sua paixão a levou a pensar em trabalhar em algo relacionado com o futebol, como o jornalismo esportivo, por exemplo.

Mas o destino a trouxe para dentro das quatro linhas. Não como jogadora, mas como árbitra-assistente. No começo, conta, sua família não entendeu direito essa opção, mas sempre houve apoio. Hoje, aos 28 anos, ela faz parte efetiva desse entretenimento para a maioria dos brasileiros, mas que para ela é o seu “ganha-pão”. Formada em 2018, ela atua no quadro de árbitros-assistentes da FPF (Federação Paulista de Futebol) e, recentemente, foi selecionada para um projeto inovador da mesma entidade, que chamou apenas 14 árbitros e assistentes (os que a entidade considera como os mais promissores) para serem formados como profissionais do apito.

Juliana mora na Vila Rezende, mas atualmente está em São Paulo, onde ficará por pelo menos mais seis meses neste projeto da Federação, estudando e se aperfeiçoando, com atuação nas partes física, técnica e psicológica. Além disso, a FPF ainda banca um salário mensal e toda infraestrutura necessária para que ela e seus colegas se desenvolvam na profissão. “Quando soube que havia sido selecionada, me senti muito privilegiada, pois se trata de algo muito grande e inovador para a arbitragem”, diz.

A estabilidade que conquistou contrasta com os primeiros passos como árbitra-assistente e com os “perrengues” que passou à beira do campo. Formada em Gestão Empresarial, pela Fatec Piracicaba, ela busca usar aspectos adquiridos na faculdade para administrar as tensões durante dos jogos. Também já passou por alguns apuros por ser mulher – em um esporte majoritariamente masculino -, mas superou tudo isso com competência e elegância. 

“Percebo que existe ainda o preconceito em relação às mulheres que trabalham com o futebol, independente da função. Porém, entendo também que já houve muita evolução”, conta. “As mulheres estão no futebol por mérito; nós conquistamos esse espaço e muitos outros com a nossa capacidade e talento”, completa. Veja, abaixo, a entrevista completa que Juliana concedeu à coluna Persona, do Jornal de Piracicaba.

Juliana, como você começou na arbitragem? Com quantos anos e em quais circunstâncias? Desde pequena acompanhava futebol no estádio com o meu pai e meu tio, e dizia que iria trabalhar com algo relacionado ao futebol, como por exemplo jornalismo. Porém, o tempo foi passando e acabei fazendo faculdade de Gestão Empresarial pela Fatec Piracicaba, pois possuía uma empresa de roupas femininas. Quando estava no último ano da faculdade (2015) meu pai ouviu em uma rádio que iria iniciar um curso de arbitragem gratuito pela Associação de Árbitros de Piracicaba e Região (AAPR); e ele me incentivou a ir, pois era perto da nossa casa e apenas uma vez na semana. Eu estava com 19 anos na época e acabei indo, porém na primeira aula disse para o pessoal que estava indo apenas por conhecimento e não para trabalhar com isso.

Você sempre acompanhou futebol? A arbitragem foi um mero acaso? Foi um acaso, pois não sabia nada sobre arbitragem além do que eu via nos jogos que assistia. Não tinha nenhum familiar e nem conhecido que era árbitro. Inclusive, não conhecia nada sobre o futebol amador da cidade; conhecia apenas o futebol profissional. Quando iniciei o curso de arbitragem, eu era um peixe fora da água por não conhecer ninguém, sendo que a maioria das pessoas tinha sido indicada por alguém para estar lá.

Quando decidiu pela arbitragem, o que sua família falou? E seus amigos? Acharam loucura, algo inusitado, diferente? No começo, ninguém entendeu muito bem, mas toda a família apoiou e eles foram, aos poucos, entendendo o que realmente é a arbitragem, pois temos que abrir mão de muitas coisas para estar em campo. Os jogos são em sua grande maioria aos finais de semana, enquanto todos se divertem nós estamos trabalhando e acabamos perdendo aniversários, casamentos, entre outros eventos familiares.

Chegou a fazer jogos como árbitra ou assistente no amador de Piracicaba? Minha estreia como árbitra foi apitando um jogo sub-13 no Sindicato dos Metalúrgicos de Piracicaba, pela Copa Rocha Netto 2015. Depois disso, segui trabalhando para ser escalada nos jogos de futebol amador adulto, tendo feitos muitos jogos importantes na cidade, como as finais do Amador em 2018 e 2019 entre as equipes: Novo Horizonte x Vera Cruz e Novo Horizonte x Alkaeda; Taça Piracicabana - Vila Fátima e Vera Cruz; Liga Esportiva Varzeana 2019 - Novo Horizonte x Bosque; Veterano 2017 - Katatumba x UFA entre outros, que tenho muito orgulho em ter feito parte.

Quando você começou na FPF e quando foi para a CBF? Já no meu primeiro jogo, eu percebi que a arbitragem era o que queria fazer, pois, apesar de ser a minha primeira vez fazendo aquilo, eu sentia que estava preparada e queria fazer mais vezes, pois me senti muito bem ali em campo. Então, assim que soube que estavam abertas as inscrições para o curso da Federação Paulista, em 2016, logo fiz minha matrícula e iniciei o curso em 2017. O curso durou um ano e em 2018 fiz minha estreia no Campeonato Paulista Sub-11/13, na partida entre Rio Claro e Inter de Limeira. Nos anos seguintes, fui estreando em outras categorias como Copa São Paulo, Sub-20, Paulistão Feminino e até que, em 2021, fui indicada para fazer parte do quadro de árbitros nacional. No mesmo ano, participei de diversas competições de base masculinas da CBF e no Brasileirão Feminino.

Quais os campeonatos que você trabalha atualmente e aonde pretende chegar? Venho trabalhando com frequência em jogos profissionais masculinos, como o Paulista da Série A2, Copa Paulista, Brasileiro da Série D, entre outros. Tenho como objetivo trabalhar e buscar a excelência para que novas oportunidades surjam e eu esteja preparada para elas.

Em 2024, você completa quantas temporadas na arbitragem? Houve muito preconceito por ser mulher? Completo 9 anos trabalhando como árbitra-assistente e percebo que existe ainda o preconceito em relação as mulheres que trabalham com o futebol, independente da função. Porém, entendo também que já houve muita evolução e que temos que seguir trabalhando e mostrando nossa capacidade independente do gênero.

Você acredita que a mulher será um dia vista na arbitragem como algo 100% normal, sem preconceitos ou dúvidas de sua capacidade? Acredito que sim! Basta a sociedade em geral entender que as mulheres estão no futebol por mérito e competência; nós conquistamos esse espaço e muitos outros com a nossa capacidade e talento.

Já houve alguma situação em que se sentiu ameaçada por torcida/jogadores/técnicos? Sentiu medo em alguma oportunidade? Quando ainda trabalhava com futebol amador passei por algumas situações e por alguns lugares difíceis de trabalhar, mas sempre mantive a tranquilidade sem demonstrar medo e tudo correu bem.

Errar todo mundo erra. Como você se cobra quando há equívocos? O erro faz parte da carreira do árbitro, saber lidar com ele é fundamental. Temos que identificar qual foi o motivo para o equívoco ocorrer e maneiras de prevenir para que não volte a acontecer. O erro nos ensina muito, nos ensina a ser resilientes e buscar sempre querer mais e ser melhor do que fomos ontem. No dia que você erra, você não quer conversar com ninguém e parece que o mundo acabou, mas você não pode ficar se lamentando, tem que correr atrás e se preparar para o que virá na sequência, tanto físico quanto mentalmente.

O que um árbitro ou assistente deve fazer para se dar bem na profissão. Além da parte técnica, há também uma parte mental importante, não? O árbitro tem que ter um equilíbrio entre todos os pilares, mental, físico, técnico e social. Se algum dos pilares não está legal, os outros serão afetados. O trabalho mental é fundamental para que haja concentração e foco durante a partida, com isso o nível de acertos será muito maior. Assim como a parte física, a parte mental também é treinável e, com as estratégias certas, o árbitro se torna cada vez mais forte mentalmente.

Como foi sua sensação ao saber que foi uma das indicadas para esse projeto pioneiro da FPF, que só selecionou aqueles profissionais que considera muito promissores... O processo seletivo para o Programa Jovens Árbitros durou alguns meses e teve algumas etapas importantes. Com isso, a ansiedade para estar entre os 14 selecionados só aumentava. Quando soube que havia sido selecionada, me senti muito privilegiada, pois se trata de algo muito grande e inovador para a arbitragem. É um programa que visa diminuir a diferença entre a arbitragem e os atletas de futebol, que são profissionais e tem todo o acompanhamento necessário para o melhor desempenho em campo. Com esse programa, teremos todo o suporte necessário em todos os pilares fundamentais na vida do árbitro.

Após o projeto da FPF, como você projeta sua carreira? A duração do projeto é de oito meses (mais seis meses), porém, tenho certeza de que colheremos muitos frutos mesmo após isso, pois estaremos prontos para os novos desafios que virão em nossas carreiras, sempre visando a voos mais altos.