24 de novembro de 2024
ARTIGO

O (des)Domínio do Fogo


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Divulgação

Segundo Charles Darwin, dominar o fogo foi uma das práticas humanas mais importantes para a evolução da espécie após a linguagem. A evidência mais antiga do uso intencional do fogo pelos seres humanos data de aproximadamente 1,7 milhão de anos.

Foi o fogo que trouxe ao ser humano a possibilidade de alimentação ampliada, com o cozimento no preparo da carne e dos vegetais, além da proteção contra o frio e a iluminação à noite.

Além disso, desde as sociedades mais primitivas, o fogo é usado simbolicamente em cerimônias religiosas e culturais.

Mas se o fogo foi primordial para a evolução humana, também causou e causa a destruição em massa.

No fim de semana, tivemos a prova do que o fogo, usado irresponsavelmente ou até criminalmente, pode causar. Foram milhares de focos de incêndio, que transformaram o mapa do Brasil em um espécie de Batalha Naval.

Para se ter noção, o número de municípios que decretaram situação de emergência por incêndios florestais em agosto cresceu 354% em relação ao mesmo mês do ano de 2023, segundo a Confederação Nacional dos Municípios.

Mais de 4 milhões de pessoas já foram afetadas pelos incêndios, que parecem não ter mais época do ano certa para acontecer. O ano todo temos notícias do fogo queimando o Pantanal, a Amazônia, mas agora chegou na nossa porta, não é mesmo?

Só no Estado de São Paulo, entre 22 e 24 de agosto, foram 2,6 mil focos. De cada dez, oito (81,29%) estavam em áreas ocupadas pela agropecuária, conforme revela levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

O Ipam constatou que 1,2 mil focos de calor (44,45%) foram localizados em perímetros de cultivo de cana-de-açúcar. Nós, do interior do Estado, já tivemos que conviver muito com a fumaça das queimadas de inverno e com os “ciscos pretos” que caíam no nosso quintal até há alguns anos atrás.

Lembro-me criança, caçando as cinzas que caíam no céu, enquanto minha mãe, emputecida, tentava varrer loucamente o quintal para não sujar mais do que já estava sujo. A sola do pé ficava tão preta que não havia bucha que esfolasse o suficiente o encardido.

A cidade se transformava em um verdadeiro cinzeiro a céu aberto e, por dias, nos acostumávamos com o cheiro de queimado no ar.

Graças a leis duras, as queimadas de cana precisaram ser rigidamente controladas e os ciscos sumiram do céu. Até o último fim de semana.

Os incêndios, que ocorreram simultaneamente em várias partes do Estado, parecem ter sido causados propositalmente. Afinal, a natureza raramente provocaria, sozinha, algum tipo de faísca, mesmo com o tempo seco.

Apesar disso, nas mesas de bar, balcão de comércios e nos grupos do ZapZap, ainda há canalhas que querem tapar o sol com a peneira (ou apagar o fogaréu com a pá), dizendo asneiras e normalizando toda a situação. “Ah, mas isso sempre aconteceu. Estamos acostumados…”, e blá blá blá.

Os vídeos que circulam pela internet mostram chamas monstruosas, engolindo tudo o que vê pela frente. Muitos animais mortos, áreas de preservação aniquiladas, e até pessoas que perderam a vida na tentativa de apagar as chamas, outras, hospitalizadas em estado grave após inalarem a fumaça.

Fora os gastos milionários futuros com propriedades que foram varridas por causa de um energúmeno que decidiu atear fogo em uma plantação ou em um mato seco.

É necessário se revoltar, é necessário lembrar todos os dias do que aconteceu e cobrar das autoridades medidas mais rígidas contra os ateadores de fogo. São Paulo não pode ficar refém de cabeças que ainda pensam como trogloditas do passado. Que se cumpra a lei!

Se há 1,7 milhão de anos evoluímos ao dominar o fogo, vamos precisar de quantos anos mais para evoluirmos em educação, civilidade, respeito ao próximo e à natureza?