25 de dezembro de 2024
ARTIGO

Peculiaridades da literatura latina


| Tempo de leitura: 3 min

Começamos a tratar da literatura latina clássica, no último artigo. Sempre legalistas, os romanos davam muita importância ao Direito escrito. É deles que nós, povos neolatinos, herdamos a noção de lei positiva, ou seja, “um ditame da razão, promulgado por autoridade legítima, em ordem ao bem comum” (definição escolástica). Entre nós, se uma lei não é promulgada, ou seja, solene e oficialmente publicada, ela não existe, não obriga a ninguém. Já entre os anglo-saxões, o Direito é muito mais consuetudinário do que escrito. Entre eles, é o costume (consuetudo, em latim) que em geral faz a regra.

Em Roma também se cultuava muito a oratória. Eram apreciados os discursos com argumentações consistentes, formulações precisas e lapidares, muita beleza formal.  Na oratória romana, o “verum” era indissociável do “pulchrum”. Não se concebia que a verdade fosse formulada sem beleza, sem grandiosidade. Daí o estilo dos discursos romanos ter-se projetado, nos séculos e milênios que vieram depois, como a matriz da oratória ocidental. O célebre discurso de Cícero contra Catilina (que eu, quando rapazinho, gravei em latim e gostava de ouvir tomando banho...) foi o modelo de todas as acusações e libelos ao longo dos tempos. É impossível ler o “J´accuse”, de Zola, sem notar os longínquos ecos de Cícero. 
Cabe lembrar ainda a literatura didática ou moralizante dos romanos, como as fábulas de Fedro, que continham ensinamentos éticos e normas de conduta e procedimento. Ao lado das gregas de Esopo, consistiram a base das fábulas de La Fontaine, que chegaram até nós e ainda hoje são conhecidas de muitos.

Também as sátiras eram frequentes em Roma. Os romanos eram, paradoxalmente, sérios e sisudos em muitos aspectos, mas grandes “gozadores” em outros. Esse traço da psicologia romana não pode ser esquecido. É frequente, aliás, pessoas sérias e até carrancudas desenvolverem um senso de observação e ironia muito finas. O “humour” britânico é característico disso. Em Roma, sempre houve sátiras espirituosas, nem sempre inteiramente inteligíveis por nós, mas, quando entendidas, reveladoras da realidade social e cultural da época em que foram escritas. A sátira é, de si, um gênero de curta duração, porque sua graça vem de uma série de pressupostos que são do domínio comum dos contemporâneos, mas rapidamente se esvaem e caem no esquecimento. Notamos isso com charges de jornal. Quando publicadas, referem-se a algum fato recente, de conhecimento geral. Nem são necessárias palavras, um simples desenho com poucos traços já deixa tudo claro. Um ano depois, entretanto, a mesma charge só será compreendida se acompanhada de uma explicação. Isso dificulta um tanto a intelecção das sátiras romanas, que necessitam ser analisadas à luz de uma série de conhecimentos que nem sempre possuímos.

Sobre a forma da poesia latina, há que considerar que se baseia, assim como a grega, na quantidade das sílabas, e não na sua acentuação tônica. Em outras palavras, a sucessão de sílabas breves e longas nas frases compunha uma série de combinações possíveis, que davam uma espécie de musicalidade agradável aos ouvidos. Mais tarde, a tendência foi deslocar esse elemento da quantidade para a intensidade (baseada na sílaba tônica), completada pela rima. Em consequência disso, na poesia tradicional dos povos ocidentais modernos adquiriu enorme importância a acentuação tônica, que dá a cadência rítmica ao verso, e não tem a menor importância, nem sequer sendo perceptível, a combinação da quantidade das sílabas.
Para os romanos, a combinação de sílabas longas e breves era tão importante e tão agradável que constituía elemento de embelezamento até mesmo da prosa. As cartas de São Jerônimo eram muito apreciadas porque ele, de acordo com o costume dos clássicos elegantes do seu tempo, ele concluía suas frases usando construções que combinavam a quantidade das sílabas, de modo a corresponder a uma das combinações clássicas da poesia latina.

Quanto à rima, que na poesia das línguas neolatinas se tornou elemento importante, era desconhecida em Roma e só se desenvolveu a partir da Idade Média. Segundo consta, a rima na poesia foi pela primeira vez utilizada por São Tomás de Aquino, em hinos litúrgicos que compôs no século XIII.

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