No convívio social humano, são inevitáveis as gafes. Qualquer pessoa, por mais educada e autocontrolada que seja, que de vez em quando comete alguma. Uma vez cometida, que fazer? Desculpar-se e mostrar arrependimento geralmente não resolve, pois acaba a emenda saindo pior do que o soneto. Quase sempre o melhor é fingir que não percebeu o mau passo e tocar adiante. Aqui vão três gafes de que me lembro:
1ª. gafe: conta o grande psicólogo francês Pe. Raymond de Thomas de Saint-Laurent que um famoso orador sacro foi convidado, certa vez, a fazer o elogio fúnebre de um senhor muito distinto e considerado, durante a Missa de 7º. dia. Coletou às pressas alguns rápidos dados biográficos do falecido e se julgou em condições de falar ao púlpito. Entretanto, aconteceu que, à medida ia falando, se foi entusiasmando com o que dizia e foi ampliando insensivelmente o âmbito da pauta que fixara. A certa altura, ocorreu-lhe louvar o morto como excelente esposo e pai de família. Ora, esse era precisamente o ponto fraco do falecido: toda a cidade conhecia suas aventuras extraconjugais... Muitos ouvintes se entreolharam, se puseram a sorrir e a cochichar comentários. Percebendo o procedimento da plateia, o fogoso orador se deu conta de que pisara em falso. Que fez ele? Fingiu que nada se passara e se pôs a discorrer sobre outro aspecto do falecido. E tudo prosseguiu com normalidade. Saiu-se bem. Não poderia ter feito outra coisa.
2ª. gafe: recordo ainda de um outro caso, ocorrido com um amigo há muitos anos, em tempos em que o câncer era uma doença incurável. Naqueles remotos tempos, um diagnóstico de câncer equivalia a uma sentença de morte. Significava que em, no máximo, alguns meses o indivíduo deixaria o número dos viventes. Meu amigo estava numa roda social e, sem querer, cometeu uma gafezinha qualquer, de menor potencial destrutivo. Muito senhor de si, pensou em sair por cima. Riu sonoramente de si mesmo e declarou: - “Nem vou procurar me desculpar. Gafe é gafe, é como câncer: não tem cura!” Ainda rindo, olhou em volta... e viu um dos elementos da roda, que estava lutando bravamente contra um câncer terminal. Todos na roda sabiam disso. Silêncio geral...
3ª. gafe: pior foi o caso ocorrido com o Emb. Manoel Pio Corrêa, conforme ele mesmo conta no seu interessante livro de memórias. Quando jovem, ele participara de um curso nos Estados Unidos, proporcionado pelo Governo norte-americano a jovens diplomatas de vários países latino-americanos. Travou, durante o curso, amizade muito estreita com um colega oriundo de uma nação da América espanhola. Os dois tinham quase tudo em comum: a mesma idade, a mesma profissão, as mesmas ambições, os mesmos gostos. Ficaram, realmente, grandes amigos. Mas, ao término do curso, separaram-se e depois de algum tempo perderam completamente o contato. Trinta anos depois, já em fim de carreira, o brasileiro foi nomeado embaixador junto a um governo X. Ao assumir o novo posto, consultou, como de hábito, a lista do corpo diplomático acreditado no local, e teve a alegria de nela encontrar o nome do antigo amigo, agora embaixador do seu país. Ambos tinham seguido carreiras paralelas.
Na mesma hora, telefonou-lhe e imediatamente, como num passe de mágica, se reconstituiu a velha amizade. Sentiram-se, desde o primeiro momento, com a mesma intimidade de trinta anos antes. Emocionados, os dois combinaram um encontro, que se realizou logo depois na residência do hispano-americano. Grandes abraços, grande confraternização, recordação de fatos de há muito tempo sepultados na memória... De repente, entre outras lembranças do tempo de rapazes, ocorreu ao brasileiro perguntar: - “Ainda te lembras de uma porto-riquenha dentuça e horrorosa que queria a todo custo casar contigo?” Mas..., antes que qualquer resposta fosse dada, abriu-se a porta do salão e entrou, sorridente e comprazida, a embaixatriz. Era precisamente a porto-riquenha dentuça e horrorosa.
Já contei esse caso a muita gente. Até o contei em um livro de crônicas, que intitulei “A porto-riquenha dentuça e horrorosa”. Mas nunca encontrei ninguém que soubesse me sugerir uma saída para essa “saia justa” em que se meteu o nosso embaixador. Eu ainda estou procurando.
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