23 de novembro de 2024
ARTIGO

 Com o amor de mãe


| Tempo de leitura: 3 min

Quem costuma frequentar, aos sábados, o Varejão da Paulista na Avenida Dr. Paulo de Moraes, certamente observou e apreciou as belíssimas orquídeas à venda na banca da Orquipira — Associação Orquidófila Piracicabana. Os Oncidiuns — mais conhecidos como chuva de ouro —, com flores miúdas amarelas; os delicados Dendrobium — cujas flores lembram olhos de boneca; as queridinhas Phaleanopsis, com hastes florais que duram até dois meses; as elegantes Vandas que, suspensas no ar, não necessitam de substrato para se apoiarem e, as rainhas Catleyas, multicoloridas e aromáticas, com flores grandes de até 10 centímetros de diâmetro.

Guilherme de Aquino, 35 anos, um dos sócios expositores, gentilmente, tira as dúvidas dos clientes. A paixão pelas flores veio desde cedo, quando morava com os pais, numa chácara no Sertãozinho, onde hoje é o bairro Jardim Potiguar, em Piracicaba. Aprendera, com a mãe Ângela, o cultivo das orquídeas e o amor aos animais. Possuem quatro cães. A mais nova, Pantera, fora criada na mamadeira. Mistura de vira-lata com Border Collie, de pelagem cinza, assumira o posto de cão de guarda, com porte altivo e digno do vigor dos seus sete anos. O pai, Bráulio, levava-o ao futebol e às pescarias junto à natureza. Dele, também copiou um hábito ruim, que vinha do seu avô, Firmino: o tabagismo. Quando menino, Guilherme o ajudava na feitura dos cigarros: buscava o fumo de corda na venda, picava-o, fino, com a ponta da faca, até quase se transformar em pó e colocava-o sobre a palha de milho seca; enrolava-o e entregava-o ao avô. Começou a fumar aos 14 anos, imitando os amigos, o pai e o avô. Comprava cigarros Shesterfield e logo estava consumindo dois maços — ou quarenta cigarros — por dia. A este, seguiu outro vício nefasto — a cocaína — durante três anos, dos 16 aos 19, enquanto estudava Desenho Mecânico, um curso técnico do SENAI. Livrou-se da droga ilícita, mas não conseguia deixar os cigarros.

 Estudo revela que a maioria daqueles que já usaram cocaína era fumante, mostrando que a nicotina funciona como porta de entrada para outras drogas. Considera-se porta de entrada a droga que reduz o limiar para a adição a outros agentes. Um grande inquérito americano publicado em 2012 mostrou que, entre adultos de 18 a 34 anos que já haviam experimentado cocaína, 88% eram fumantes antes de usá-la; 5,7% começaram a consumir as duas drogas ao mesmo tempo; 3,5% usaram cocaína antes de serem fumantes e apenas 2,9% nunca fumaram cigarros.

Tentara parar ao menos duas vezes. Numa delas, recorreu a ajuda médica, sem êxito. Mais tarde, sua tia indicara o meu nome. Seu esposo, Sr. Antenor Alcarde, fora meu paciente. Iniciamos o tratamento do tabagismo da forma idea — com o apoio dos familiares. Ângela fez o papel de madrinha, aconselhando-o e acompanhando-o nas consultas e retornos. Guilherme passara por momentos difíceis no início, por volta do sétimo dia em abstinência dos cigarros. A cadela Pantera rasgara o alambrado da cerca e sumira. Procuraram-na por toda a região, perguntaram aos vizinhos, mas ninguém deu pistas do seu paradeiro. Temi que o revés pudesse comprometer o tratamento. Mas, Ângela assumira o papel amoroso e acolhedor da madrinha, apoiando e distraindo o filho. Organizou o ambiente da casa, retirou os cinzeiros da vista e até mudou a posição dos móveis. A cadeira de balanço no abrigo dos carros — local preferido de Guilherme para fumar — fora deslocada para dentro da sala. Em seu lugar, colocara um vaso de orquídeas. Pedira-lhe para executar alguns afazeres domésticos, como higienizar o ar condicionado — tarefa que levara uma tarde inteira —, além de ficar junto do filho, pois percebia-o nervoso quando precisava sair.

Passaram os dias e as crises de abstinência foram ficando cada vez menores e menos frequentes. Nas consultas, toparam gravar vídeos comigo mostrando sua vitória contra os cigarros. O leitor, se curioso, poderá acessá-los no perfil do Instagram @julianabarbosaprevitalli. Seus planos para o futuro desenham-se com a simplicidade de uma viagem à praia, na Ilha Comprida, casa da tia. Há quatro anos sem férias, quando entrar setembro, Guilherme, solteiro, planeja levar Bráulio e Ângela para pescar corvinas e petaras na praia.