23 de dezembro de 2024
LUIS GUSTAVO GOMES

‘Passei fome e frio... agora quero o melhor para minha família'

Por Erivan Monteiro | erivan.monteiro@jpjprnal.com.br
| Tempo de leitura: 7 min
Will Baldine/JP
Gomes quer ser um atleta de sucesso para dar uma melhor qualidade de vida a seus familiares

Ao sair de sua casa simples, no Eldorado I, para conceder entrevista ao Jornal de Piracicaba, o zagueiro e volante Luis Gustavo Gomes de Oliveira, de 15 anos, recebeu um afetuoso abraço e um beijo da mãe, Lusandra Moraes da Silva Gomes. Enquanto a reportagem esperava pela chegada do adolescente, ela revelou, emocionada, que o garoto sonha dia e noite com o futebol.

Gomes quer ser um atleta de sucesso para dar uma melhor qualidade de vida à própria mãe, ao pai, Sidney Rodrigues de Oliveira, e aos três irmãos – Gabrielly, 24 anos; Jean Victor, 17 anos; e Sidney Gabriel, 9. O garoto começou sua trajetória no esporte preferido dos brasileiros aos 12 anos e passou por alguns clubes da região, como o XV de Piracicaba, Rio Claro e o Comercial de Tietê.

Agora, tenta dar continuidade a seu objetivo com a camisa do Fernandópolis, que formou recentemente um polo em Piracicaba, em parceria com os Galácticos – um projeto da cidade que trabalha com as categorias de base. Ele passou na “peneira” do clube interiorano e treina quatro vezes por semana, intercalando com os estudos e com o trabalho - ajuda o pai, que atua como autônomo, em alguns trabalhos. Aos sábados, ainda fez alguns jogos pelo Jardim Glória, no torneio Taça das Favelas.

O adolescente, que morou em várias comunidades de Piracicaba, contou que a vontade de vencer no futebol é fruto de sua resiliência, em virtude de uma infância humilde, na qual passou por privações juntamente com seus irmãos e pais. “Passei muitas dificuldades...um pouco de fome, um pouco de frio...mas sempre dividindo as coisas. Por isso, eu quero dar o melhor para minha família; uma casa melhor; uma condição financeira melhor”. Nessa entrevista a coluna Persona, ele dá detalhes de como pensa em chegar ao estrelato.

Como você começou no futebol? Quando percebeu que tinha dom para o esporte? Comecei quanto eu tinha 12 anos; faz um tempinho já. Dom eu nunca tive, sempre foi esforço. Sempre foi na base do esforço. Eu via meus primos jogando, mas nunca tive oportunidade. Aí, quando vim para o Cecap, fui ao projeto (no Projeto Cecap Zona Leste) e comecei a jogar. Fiquei uns dois anos, depois fui para a escolinha da Caterpillar, onde fiquei também uns dois, três anos e depois fui para o XV. Em seguida, Rio Claro, Comercial de Tietê a agora o Fernandópolis.

E como funciona isso, porque a cidade de Fernandópolis (um clube da Segunda Divisão do Paulista) fica bem longe, cerca de 400 km daqui. Tem um polo do clube em Piracicaba? Os professores do Galácticos fizeram parceria com o Fernandópolis aqui em Piracicaba. Aí, fizeram avaliação aqui no campo do Cecap, eu fui à avaliação, passei e estou lá até hoje.

E você treina lá quantas vezes por dia? Eu treino de terça, quarta, quinta e sexta, às 4 horas da tarde por causa da escola. Eu estudo das 6h às 16h, na EE (Professora) Carolina Mendes Thame.

Sua posição é zagueiro, mas também joga de volante, certo? Isso. Sou mais zagueiro mesmo, mas estou tentando me adaptar também como volante para aprimorar a saída de bola e ter mais experiência.

Você disputou a Taça das Favelas pelo Jardim Glória. Como foi essa experiência? Foi uma experiência nova, pois tinha alunos mais velhos e eu era o mais novo no time, o Jardim Glória (o time foi eliminado na fase de classificação). Eu ganhei bastante experiência, como experiência tática e socialmente também.

O futebol sempre foi um sonho em sua vida? Conte um pouco sobre isso? Sempre quis ser jogador de futebol. Sempre acompanhei as histórias do futebol. O meu pai também quis ser jogador, mas não seguiu a carreira. Para mim, eu sonho ser um grande jogador profissional e vou atrás disso.

Como é o apoio da família nesse sonho? Seus pais te ajudam a manter o foco? Quando eu comecei a jogar, não tinha muito apoio familiar. Mas quando começou a dar ‘meio que sucesso’, entre aspas, comecei a ter apoio. Quanto à questão financeira, é difícil por que eu tenho de ajudar os meus pais para ter as coisas no futebol, tipo pagar campeonatos, inscrição, ter minha chuteira, ou seja, para sempre ter o melhor possível. Mas é muito difícil.

Seus pais trabalham em quais profissões? O meu pai trabalha no geral. Ele faz encanamento, corta árvore, poda árvore... Ele tem um carrinho que vai cortando a árvore e ganhando um dinheirinho. Minha mãe não trabalha. Ela deixou de trabalhar quando estava grávida de mim. Hoje é só dona de casa.

E você ajuda o seu pai quando dá uma folga na sua agenda? Sempre, sempre! Quando não tenho treino vou sempre ajudar ele (sic).

E como faz para fazer tudo isso: trabalho, treino e estudos? Eu estudo das 6h da manhã até as 4h da tarde (na EE Carolina Mendes Thame). Depois da escola, eu mal tomo banho e já vou para o treino. Eu chego um pouquinho atrasado no treino por conta da escola; o treino começa às 4h e eu chego às 4h20, 4h30. E aos sábados, têm jogos pela manhã, mas depois tenho um tempo para ficar com a família.

Na escola, o pessoal te dá uma força. Os amigos, o diretor, o professor de educação física? Sim, eles dão a maior força para mim. Não deixam de criticar, apoiar. Os professores também brincam e o diretor da escola sempre incentivando a gente. Quem sonha mesmo em ser jogador, como é o meu caso, ele incentiva bastante.

Assim como o seu pai, a sua mãe te dá a maior força também, não? Nós vimos o carinho que ela tem por você! Sim. Sempre quando eu vou jogar ela me deseja um bom jogo e fala para eu ter cabeça e não brigar. Ela sempre me apoia bastante.

Você está agora no Fernandópolis. Como planeja o seu futuro? Eu queria mesmo voltar para o XV. Eu não abracei a oportunidade lá porque eu não tinha nada assinado com o XV e fui jogar outro campeonato e fui dispensado. Se me derem uma nova chance no XV, eu abraço essa oportunidade.

O futebol, na sua visão, é um pouco ingrato com os atletas que têm menos condições, menos recursos? É uma competição desleal? É mais difícil, sem dúvida. Criança de comunidade carente não tem tanto apoio como as pessoas que têm empresários e maior poder financeiro para conseguir ficar na base. Os jogadores com empresários conseguem pagar, mas nós da comunidade não conseguimos. Por isso, é mais difícil. Temos de mostrar, esforço, personalidade, futebol e tudo mais.

Quais as suas inspirações no futebol? São o Van Dijk (zagueiro do Liverpool); Sergio Ramos (zagueiro do Sevilha), e Tony Cross (meia do Real Madrid). O Tony Cross atua também como volante; o Van Dijk é um bom zagueiro e ganhou bastante título; e o Sérgio Ramos sem comentários: é um ótimo zagueiro. No Brasil, eu gosto muito do Arboleda e do Lucas Beraldo, que saiu da base do XV de Piracicaba e hoje está no PSG. O Beraldo prova que tudo é possível, basta ter objetivo, foco e determinação.

E com o possível sucesso no futebol, você pensa em dar uma condição melhor para seus pais...Sempre querendo ajudar a meus pais, porque nós já passamos por muitas dificuldades. Como eu cresci em uma favela, eu sei que a vida é muito difícil; já passamos muitos problemas.

Já chegou a passar fome? Já, um pouco de fome, um pouco de frio. Mas sempre dividindo a comida com os nossos primos. E agora quero dar o melhor para a minha família; dar uma casa melhor; uma condição financeira melhor. Eu morei na favela do Esplanada e depois fomos para a Vila Rezende, Chapadão, no Cecap e agora no Eldorado. Sempre morando de aluguel.

Como você se define como jogador? Tenho bastante técnica para jogar. Venho trabalhando bastante a saída de bola. Eu tenho também uma boa visão e ‘fatio’ muito a bola para os atacantes jogarem. E também tenho um bom jogo aéreo.

Dando certo no futebol, como planeja sua carreira? Eu queria ir para o São Paulo (é torcedor do clube paulistano). Mas eu não tenho esse negócio de clubismo; pode vir qualquer oportunidade, como Santos, Palmeiras, Fortaleza, Ceará...O que importa é a oportunidade.