25 de dezembro de 2024
ARTIGO

A Dor da Beleza


| Tempo de leitura: 3 min

Uma das poucas certezas que eu tinha até a adolescência era de ser o patinho feio da família. Ainda pequeno já tinha aprendido que não era com a beleza que eu conquistaria alguma coisa na minha vida.

Lembro na infância a diferença de afeto que recebia dos parentes e amigos dos meus familiares em relação a minha irmã. Ela, meiguinha, loirinha de olho azul, pele macia, era carregada no colo e colocada no centro das atenções das reuniões de família.

Enquanto eu assistia a cena, escorado no canto de uma parede e tentando desaparecer dali de alguma forma. Geralmente acabava sendo vítima do bullying dos primos mais velhos.

Na adolescência, a coisa se agiganta de uma forma ainda mais cruel. Aquela fase difícil, onde os membros do corpo parecem desproporcionais, o andar é desengonçado e, para ajudar, a cara estava sempre cheia de espinhas.

As malditas espinhas infernizaram minha vida por muitos anos naquela época. A pele mista que ora de tanto óleo era possível fritar um bife ao mesmo tempo que ressecava profundamente com os produtos para tentar amenizar aqueles poros infeccionados. Parecia que nada, absolutamente nada, ajudava.

Nos anos 90, aliás, não era lá tão fácil conseguir os cremes que hoje encontramos com mais facilidade. A minha adolescência foi à base de minâncora que deixava minha cara branca tal qual a personagem do podcast A Mulher da Casa Abandonada.

Mas passando a adolescência, as espinhas deixaram marcas. Por isso mesmo, pouco após completar 20 anos eu já buscava alternativas para tentar amenizar o que eu achava ser a pior pele do mundo.

Fiz meu primeiro peeling nesta época, achando que poderia reverter aqueles poros abertos e as cicatrizes que marcaram minha adolescência. A sessão torturante foi feita com um “jato de diamante”, que provavelmente não tinha nada da pedra preciosa, mas lixava toda a área do rosto. Na sequência, aplicou-se o peeling químico, que é basicamente um ácido. Doeu muito e saí de lá com a pele “em carne viva”, com uma recuperação que levou algumas semanas.

Acontece que percebi logo que a adolescência não deixou marcas apenas na pele, mas na alma. E nunca mais eu teria outra impressão ao olhar no espelho a não ser a de um patinho feio.

Nesta semana, fui às lágrimas algumas vezes ao ler e ver reportagens sobre o empresário Henrique Chagas, que morreu após fazer o chamado “peeling de fenol”. Ele passou mal após passar pelo procedimento estético considerado ultra invasivo.

Em entrevista ao Fantástico, Marcelo Camargo, namorado de Henrique, contou que ele se preocupava com algumas marcas de espinha que tinha no rosto e optou por realizar esse procedimento. Infelizmente, escolheu uma profissional que, ao que tudo indica, não tinha habilitação para aplicar o fenol, mas era “famosinha na internet”. O produto é considerado agressivo e pode causar problemas no coração, o que possivelmente levou à morte de Henrique.

Marcelo disse que Henrique chegou a reclamar de uma “dor praticamente insuportável”, mas disse que essa era a “dor da beleza”.

Henrique tem sido muito julgado por ter escolhido o procedimento tão invasivo, muitas vezes feito apenas por quem já tem muito mais do que os míseros 27 anos de vida que ele tinha. Mas eu entendo o Henrique e consigo me colocar em seu lugar.

Em tempos de redes sociais, onde filtros deixam nossa pele perfeita, é difícil olhar no espelho e ignorar as imperfeições. Quantos adolescentes hoje desejam fazer procedimentos estéticos sem nem ter saído direito da puberdade.

A pressão pela perfeição, causada pelas ferramentas de sociabilidade digital, nos faz sermos vítimas de antiprofissionais canastrões.

Eles prometem jovialidade e beleza com imagens irreais de “antes e depois” e milagres estéticos que podem custar nossas vidas.

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