27 de julho de 2024
ARTIGO

O sumiço da “Noiva”


| Tempo de leitura: 3 min

Foi na celebração do primeiro centenário desta nossa tão singular cidade: 1º de agosto de 1867. O então Promotor de Justiça e poeta, Brazilio Machado, publicou o seu canto de amor à terra, “Piracicaba”. E deu-lhe o epíteto que se imortalizaria, “Noiva da Colina”. Apaixonado, o poeta suplicou: “Sacode os ombros nus, ó Noiva da Colina, que a luz da madrugada encheu o largo céu...” Batizava-se, assim – de maneira apaixonada e poética – a cidade que fora uma sesmaria no longínquo 1693.

Ao longo do tempo – já por mais de dois séculos – poetas, trovadores, boêmios, cantores disputaram o privilégio da exclusividade do amor. Tem sido a busca contínua de um deles ser escolhido para o casório com a Noiva encantadora. Debalde. Catita, vaidosa, consciente de si mesma, ela se recusa a ser de alguém. Lembrando aquela que, virgem, deu à luz, Piracicaba abraça a todos, na feminilidade da avezinha que, sob as asas, acolhe os pintainhos. Recusando-se a ser amante, ela é Mãe. Carrega, pois, o mistério de – Noiva e virgem – gerar filhos que, por isso mesmo, são privilegiados. Pois, os que aqui nascem ou que, aqui, chegam, herdam o destino de amar. E de ser amados.

Há, porém, que se lembrar: “ninguém ama aquilo que não conhece”. Mas – conforme o mercado desregrado foi atropelando quase todos os valores antes respeitados – torna-se cada vez mais difícil conhecer o que mereça e deva ser amado. Até mesmo – ou especialmente – o fundamental “conhece-te a ti mesmo” já nos escapa, diante da quase irreversível ascensão das sociedades de massa. Mas... O que há de novidade no óbvio? Se não sabemos a dimensão do que nos atinge, sentimo-la. E, então, a muita gente sobra apenas o refúgio da indiferença. Como, conformados, já nos disseram alguns pensadores: “aquilo que não sei não existe”. E, no entanto, existe.

A história do surgimento das cidades torna-se atemorizante ao se considerar as ascensões e quedas, o fastígio e o declínio delas. Lembro-me de – ainda no primeiro ano do curso de Direito, mal saído da adolescência – ter-me surpreendido com a imposição de um dos professores. Ele exigira lêssemos e estudássemos o livro “A Cidade Antiga”, de Fustel de Coulanges. À época, não entendi o porquê. Mas vim a fazê-lo algum tempo depois. Ali estava uma das sementes da busca humana por proteção, segurança. E, também, a consciência do sagrado, com o religioso sepultamento dos mortos.

Piracicaba foi um pequenino agrupamento de pessoas que viveu à margem de onde “o peixe para”. Logo, um lugar de fertilidade adornado por paisagens esplêndidas. Fez-se povoação, aldeia, vila, cidade. E não há como pensar, relembrar, contar essa história contendo a emoção. É um poema dramático, com todos os elementos da tragédia e da comédia, da alegria e da tristeza, de heroísmos e de banditismos. Aqui, também, uma síntese da humanidade. E nossa tentativa caipira de construirmos um pequeno paraíso onde viver, amar, ter filhos, morrer.

Pouco importa apenas saber que tudo se transforma. Há-se que considerar se as transformações ocorrem para melhorar ou piorar. Estudiosos – já há muito – advertem-nos para o perigo de “Metrópoles transformarem-se em Necrópoles”. E, fatalmente, ocorrerá. Basta perderem-se as raízes. Pois o crescimento desordenado, a indiferença coletiva, a inexperiência de governantes, a ignorância de outras realidades, o desprezo às tradições – eis os tristes prenúncios do caos.

Cadê a “Noiva”? A “Noiva da Colina”, substituída por essa ficção, política, uma insípida “Capital de Região Administrativa”? Voltar a amá-la ou perdê-la de vez.

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