O Carnaval 2024 foi marcado por uma palavra bíblica. Ou melhor, por um capítulo inteiro do livro sagrado dos cristãos: o Apocalipse. A festa pagã, que geralmente fica de fora do radar dos mais religiosos – a não ser pelo fato de criticá-la – acabou entrando para dentro dos cultos das igrejas depois do encontro de duas colegas da música brasileira: Ivete Sangalo e Baby do Brasil.
Resumidamente, o trio elétrico alegre e festivo que levava Ivete pelo circuito Barra-Ondina, durante o Carnaval de Salvador, parou em frente ao palco montado pela Rede Bandeirantes, onde se apresentava Baby do Brasil.
A ex-hippie convertida ao neopentecostalismo, de 71 anos, em um momento de surto, resolveu berrar no microfone que o Apocalipse (ou arrebatamento, como costumam chamar o fim do mundo) aconteceria entre cinco e dez anos.
Demonstrando estar chocada com a fala da colega – afinal, elas estavam no meio de uma festa que esbanja alegria por todo o Brasil – Ivete interrompeu a pregação de Baby.
“Eu não vou deixar acontecer, porque não tem apocalipse certo quando a gente maceta o apocalipse", disse ela, com seu humor característico, evocando o seu hit do Carnaval, Macentando.
Imediatamente, o momento virou meme nas redes sociais, mas o buraco é mais embaixo.
Se o Apocalipse bíblico existe de forma subjetiva há milhares de anos, a pauta climática, mesmo sendo mais jovem, colocou seriedade no assunto há pelo menos meio século.
Nos anos 1980, a questão do aquecimento global começou a ser ventilada mais frequentemente pelos cientistas. Em 1988, o Congresso dos EUA recebeu a visita do diretor da Nasa na época, James Hansen, que dissertou sobre o assunto e o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas publicou o seu primeiro relatório sobre o tema.
Desde então, autoridades e especialistas suam a camisa para desvendar as causas, os efeitos e os culpados pela crise climática global e como resolvê-la, com criações de leis e assinaturas de acordos internacionais para tentar evitar uma catástrofe maior.
Cientistas diversos já fizeram previsões sobre como a crise climática vai afetar o mundo de forma definitiva nos próximos anos. A própria ONU já revelou que temos apenas dois anos, até 2025, para reduzir as emissões de CO2 e impedir efeitos irreversíveis do aquecimento global.
As pesquisas mostram que 2030 é o ano em que o mundo começará a entrar em colapso, com o aumento da temperatura da Terra em mais de 1,5 grau, derretimento das geleiras, que ocasionará no aumento do volume do mar, e o desaparecimento de cidades costeiras e ilhas inteiras, além de causar mais tempestades e tragédias climáticas.
Essa pauta climática não afeta pastores neopentecostais. Pelo contrário! Infiltrados na política com suas bancadas evangélicas, nunca enfrentaram as bancadas do agro e do boi, que ajudam a aprovar leis que aumentam o desmatamento e a poluição.
Enquanto berram para barrar questões de direitos da comunidade LGBTQIA+ e das mulheres, cochilam ao ver a boiada passar pela Amazônia.
Além disso, deseducam fiéis, colocando-se contra decisões científicas e proliferando o negacionismo.
Se a natureza, o planeta e as pessoas que vivem nele – teoricamente criados pelo deus que tanto acreditam – fossem, de fato, a preocupação destes “provedores” da palavra divina, o assunto sobre as mudanças climáticas estaria em cada sílaba de seus discursos.
É muito confortável maquiar a ignorância com cinco segundos de pregação no meio da maior festa popular do Brasil.
Justamente agora que, cientificamente, sabemos que estamos cada vez mais próximos de um colapso global, usam de suas pregações para evocar que o fim do mundo está chegando. Santa hipocrisia!
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