Por fim, lá se foi dezembro. Que bom! Pelo menos, para alguns de nós, que nos sentimos amargamente derrotados nesse dito mês festivo. Pois, reconheço ser verdadeira a estrofe da velha e doída canção: “a saudade mata a gente, a saudade é dor pungente”. Acontece-me, então, questionar-me quanto à longevidade: bênção ou penitência, graça ou castigo? Pois dezembro faz reavivar as perdas, imensas perdas ao longo da vida. E a saudade aumenta. E machuca. Mais do que Finados, Natal faz-me doer o coração.
Se a vida é bênção, viver cobra seus custos. E as ausências são, certamente, o mais amargo deles. Quase ao fim da jornada, compreende-se que – apesar das belezas, dos bens que se nos revelam – viver é, também, perder. E o inevitável, quase paradoxal: quanto mais se ganha, mais se perde. Entender e aceitar, pois, nossos limites, a finitude humana – eis o desafio para se alcançar a sabedoria. Mas esta, o que seria?
Cada vez mais insistentemente, entendo ser uma das mais difíceis e desafiadoras a arte de viver. Vale a pena. Mas, em sendo arte, há-se que ser artista. Logo, um fingidor. Qual o poeta de Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor... Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.” Fingir que não sofre, que está tudo bem. Fingir que ama, fingir que não odeia. Que está em paz. Que não tem saudade. E – o mais falso de tudo – fingir que está, que é feliz. E o que é ser, estar feliz?
Ora, a felicidade! Dela, falamos com a naturalidade com que respiramos. Queremo-la, desejamo-la para nós e para outros. E, no entanto, se a compreendêssemos em seu verdadeiro significado, saberíamos o impossível de obtê-la. Pelo menos, em vida. Pois, desde Kant, já se entende que, para ser feliz, o ser humano precisaria que tudo lhe acontecesse conforme seus desejo e vontade. Estes, porém, são insaciáveis. E de tal forma que, mesmo obtendo o que desejou, o ser humano vai em busca de mais. Há um vazio que parece impreenchível.
A vida, pois, é o grande mistério. Talvez, até mesmo um segredo inteiramente protegido por quem a criou. Logo, deveríamos – os que a temos – saboreá-la a cada instante, em vez de tentar decifrá-la. Ou, apenas, entendê-la. Pois, é tanta e tamanha a luta para apenas sobreviver que – pelo menos, os humanos – esquecemos de vivê-la. E viver nada mais é do que saber-se parte da natureza, partícula do universo. E, por isso, estar no ritmo: amanhecer quando amanhece, entardecer quando entardece, anoitecer à chegada da noite.
Há milênios, advertiram-nos: é preciso ter olhos de ver e ouvidos de ouvir para participar da sinfonia do cotidiano. Sempre houve, há música no ar. Uma orquestra cujos maestros são a brisa, o vento, também os temporais. Os cicios das borboletas beijocando flores; o balbucio das folhagens ao bailado dos ventos; a mornidão afável de árvores sombreadas; garoas idílicas despertando sonhos... A cada dia, o inimitável espetáculo da vida.
Ao fim de um e ao início de outro ano, dúvidas intensas tentam aguilhoar-me a alma. Provocam. E os sentimentos e a imaginação de tal forma se confluem que perco a noção do que sinto ou do que imagino. Passada, porém, a instigação, a realidade aparece toda nua e crua. Ora, acabou dezembro; Natal se foi; revéillon sumiu com o espocar os rojões. Tudo continua como era antes.
O ser humano, todavia, conhece a magia, a arte de viver. Delas, sobrevive. Entre dores de amores, recebi, no Natal, flores para o jardim. Em 2024, continuarei a ser aprendiz de jardineiro. Talvez, algum dia, venha a aprender.
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