21 de dezembro de 2024
ARTIGO

Compra de votos no sistema político brasileiro

Por Erica Gorga |
| Tempo de leitura: 3 min

O resultado de importantes votações ocorridas no Senado Federal ou na Câmara dos Deputados causa indignação em grande parte da população brasileira. Isso porque começa a ficar cada vez mais claro que o sistema político brasileiro se tornou um grande balcão de compra e venda de votos. E não falamos aqui de compra e venda ilícita, de corrupção ou de outros tipos de condutas ilegais punidas pela legislação penal vigente. A realidade mais acintosa é que o sistema político brasileiro, com o auxílio do Supremo Tribunal Federal (STF), conseguiu legalizar, das mais variadas formas, a compra de votos de parlamentares eleitos pelo povo.

Vamos analisar um exemplo de compra de votos que foi legalizada e é hoje largamente responsável pelo amplo apoio político que o governo federal obtém do vendido Congresso Nacional brasileiro em votações cruciais para o futuro do país. A Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) proibia a indicação de pessoas para ocupar posições de direção em companhias estatais se elas tivessem exercido, no último triênio, cargos políticos de ministros, secretários de estado ou município. A proibição consta do art. 17, parágrafo 2?, inciso I da citada lei.

Ocorre que o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) propôs ação de inconstitucionalidade para contestar tal regra estipulada na Lei das Estatais, com a intenção de permitir maior número de indicações políticas nas empresas controladas pelo Estado brasileiro. O então Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, por meio de decisão monocrática, em março de 2023, suspendeu a vigência da citada regra da Lei das Estatais. Além disso, a interpretação adotada por Lewandowski possibilitou também a contratação de militantes políticos que se desvincularem formalmente do seu vínculo partidário.

O efeito prático da decisão judicial monocrática escancarou as portas para as indicações políticas de parlamentares de modo que se tornou agora possível o loteamento de cargos de direção das estatais brasileiras de altíssima remuneração aos seus apaniguados políticos. A indicação para a ocupação de cargos passa a não ser feita por critérios técnicos ou de aptidão para o exercício das funções de direção, mas visa sobretudo remunerar o apoio daqueles parlamentares que votam junto com o governo, que então retribui nomeando os indicados dos parlamentares que venderam seus votos.

Na minha opinião e de um grande número de juristas, a decisão do ex-Ministro do STF é absolutamente equivocada e insustentável do ponto de vista legal. Com a canetada de apenas um Ministro do STF, houve a suspensão de uma norma aprovada pelo devido trâmite em duas casas legislativas brasileiras, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. O caso em questão mostra a clara interferência do STF sobre a competência legislativa do Congresso Nacional, que, de modo constitucional, havia decidido reduzir as hipóteses de loteamento político das estatais brasileiras, justamente para restringir a farra da compra de votos que as indicações políticas possibilitaram antes da aprovação da Lei das Estatais, o que gerou diversos casos de corrupção no escândalo do Petrolão e outros.

Infelizmente essa é uma das principais razões pelas quais a esquerda é contra a privatização de estatais e a favor do inchamento do Estado brasileiro. Quanto mais estatais, maior o número de cargos de direção que poderão ser destinados aos seus aliados políticos e maior a quantidade de votos de parlamentares que poderão ser comprados. Todo esse sistema político de compra “legal” de votos aumenta as chances de perpetuação no poder daqueles que querem um Estado brasileiro gigante.

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