Tivemos nesta semana o feriado de 8 de Dezembro, festa de Nossa Senhora da Conceição. É das poucas celebrações religiosas que o calendário oficial, tão influenciado pelo laicismo hegemônico de nossos tempos, ainda conserva. Trata-se de uma celebração profundamente ancorada nas melhores tradições históricas do nosso povo, desde os tempos coloniais.
No dia 25 de março de 1646, D. João IV proclamou oficialmente Nossa Senhora da Conceição Padroeira do Reino de Portugal, e jurou defender até à morte o insigne privilégio da Imaculada Conceição. Essa consagração de 1646 revestiu-se de um caráter oficial como maior não poderia ter. D. João IV não se contentou em fazê-la sozinho, por si e pelo Reino; mas quis que ela fosse feita também pelo seu filho D. Teodósio (que morreu jovem e não chegou a reinar); e isso na presença e com o acordo das Cortes representativas dos três estados do Reino, Clero, Nobreza e Povo; e quis que essa consagração fosse posteriormente endossada pelas Câmaras e pelo Clero das várias municipalidades, e que depois o próprio Papa, enquanto representante de Nosso Senhor Jesus Cristo na terra, a confirmasse. Com efeito, em 1671 o Papa Clemente X confirmou solenemente, pela bula Eximia dilectissimi, a eleição de Nossa Senhora da Conceição como Padroeira de Portugal.
Desde a consagração de 1646, nunca mais os Reis de Portugal puseram a coroa sobre a cabeça, nem sequer no dia de sua ascensão ao trono ou de sua aclamação; e sempre se fizeram retratar tendo ao lado direito uma almofada, sobre a qual repousava a coroa real. Porque se entendia que a Rainha de Portugal era sua celeste Padroeira, Nossa Senhora da Conceição, sendo os monarcas terrenos meros lugar-tenentes da verdadeira Soberana.
O Brasil, filho e de certa forma obra-prima de Portugal, estando em 1646 ainda integrado a Portugal, foi por esse motivo consagrado à mesma Senhora da Conceição. Quando, no primeiro quartel do século XIX, separou-se politicamente da mãe-pátria lusa, teve o bom senso de fazê-lo de modo não traumático, sem romper com todo o glorioso passado português, mas conservando dele a dinastia de Bragança, a Fé Católica e a mesma Padroeira.
De fato, foi também à Imaculada Conceição - sob o título de Nossa Senhora da Conceição Aparecida - que desde seus primórdios de nação plenamente emancipada, o Brasil se quis devotar. É digno de nota que no dia 22 de agosto de 1822, 16 dias antes do 7 de Setembro, o Príncipe Regente D. Pedro esteve rezando em Aparecida, e prometeu consagrar o Brasil a Nossa Senhora da Conceição, caso chegasse a bom termo a crise política que então se verificava. Uma placa, na fachada da Basílica Velha de Aparecida, relembra essa visita.
Em 1868 estiveram em Aparecida a Princesa Imperial D. Isabel e seu esposo, o Conde d'Eu. Em 1884 lá voltaram ambos, acompanhados dos seus três filhos, D. Pedro de Alcântara, D. Luiz e D. Antonio. A Princesa ofereceu a Nossa Senhora, na ocasião, uma coroa de ouro cravejada de 40 brilhantes. Essa mesma coroa serviria, a 8 de setembro de 1904, para a coroação solene da Imagem, efetuada por mandado do Papa São Pio X.
Em 1930, atendendo a solicitação do Episcopado brasileiro, o Papa Pio XI declarou Nossa Senhora Aparecida, oficialmente, Padroeira Principal do Brasil: “Na plenitude de Nosso poder Apostólico, pelo teor das presentes Letras, constituímos e declaramos a Beatíssima Virgem Maria concebida sem mancha, sob o título de Aparecida, Padroeira Principal de todo o Brasil diante de Deus, acrescentando os privilégios litúrgicos e as outras honras que pelo costume competem aos Padroeiros dos lugares principais”.
E no dia 31 de maio de 1931, no Rio de Janeiro, então Capital Federal, o Cardeal Sebastião Leme leu a fórmula de consagração do Brasil a sua Padroeira, diante de todo o Episcopado, de autoridades civis e militares, do Corpo diplomático e de muitos milhares de fiéis.
Nossa Senhora da Conceição também foi, desde os mais remotos tempos, patrona do Exército brasileiro. A "Canção do Soldado", verdadeiro hino do Exército, era um antigo cântico em louvor da Imaculada. Narra o General Dionísio Cerqueira, em suas memórias sobre a Guerra do Paraguai, que na véspera da Batalha de Tuiuti (23 de maio de 1866) “ao toque de recolher, às oito da noite, todos os corpos formaram. Depois da chamada, os sargentos puxaram as companhias para a frente da bandeira, e rezou-se o terço. Algumas praças, os melhores cantores, entoaram com voz vibrante, sonora e cheia de sentimento, a velha canção do soldado brasileiro: Ó Virgem da Conceição, Maria Imaculada, vós sois a advogada dos pecadores, e a todos encheis de graça com a vossa feliz grandeza. Vós sois dos céus, princesa, e do Espírito Santo Esposa. Maria mãe de graça, mãe de misericórdia, livrai-nos do inimigo e protegei-nos à hora da morte. Amém.” (Reminiscências da Campanha do Paraguai, Bibliex, Rio de Janeiro, 1980, p. 155)
Narra o mesmo autor que, durante a Guerra do Paraguai, todas as noites o exército brasileiro se perfilava e, em conjunto, rezava o terço, sendo acompanhado pelas bandas de música. (op. cit, p. 174)
Em 1967, por um ato oficial da Presidência da República, assinado pelo então Presidente Costa e Silva, Nossa Senhora Aparecida recebeu o título de Generalíssima do Exército Brasileiro. Na mesma ocasião sua Imagem recebeu a Rosa de Ouro, oferecida pelo então Papa Paulo VI.
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