21 de novembro de 2024
ARTIGO

A Última Majestade do Pop

Por Rubinho Vitti |
| Tempo de leitura: 3 min

O que é preciso para ser considerado um ícone pop? David Bowie se transformava a cada nova fase, por isso mesmo era conhecido como Camaleão do Rock. Michael Jackson inventou seus próprios passos de dança que ficaram para a história.

Os Beatles nutriram sua música com elementos de culturas diferentes e fizeram da simplicidade a fórmula do sucesso.

Elvis levou o rock e o blues, marginais quando estavam em mãos negras, às paradas de sucesso.

Foram vários os integrantes dessa “monarquia” pop onde “reis” e “rainhas” da música popular mundial, alçados em um sistema mercadológico que muitas vezes os derrubou, destronando-os, muitas vezes, mesmo antes de morrerem.

De todos, existe apenas uma sobrevivente à crueldade da fama, ao possível ostracismo e até mesmo à morte, seguindo na sua posição de majestade: Madonna.

Aos 65 anos recém-completados, Madonna iniciou uma turnê mundial que celebra seus 40 anos de carreira. A Celebration Tour reúne 35 hits da artista americana em uma performance estrondosa, que deixa qualquer novata no chinelo e a coloca novamente em um pedestal após um tempo longe dos palcos.

Fui a Paris para assistir à sua apresentação e meu queixo caído ainda não retornou ao seu eixo normal. É a terceira vez que vejo uma performance ao vivo de Madonna e com toda a certeza foi a mais poderosa.

Não apenas por ser uma coleção de sucessos, mas Madonna consegue imprimir seu DNA de maneira permanente na história da música, transformando qualquer toque artístico em uma peça pop, sem perder a característica fina de sua construção artística.

Os acordes e as batidas eletrônicas fazem da arena, do início ao fim do espetáculo, uma boate dançante. Mas Madonna vai além de sua capacidade de colocar a gente para dançar.

Em uma das primeiras canções apresentadas, Madonna volta a 1983, quando era mais rock do que pop, relembrando, com uma guitarra explosiva e voz idem, Burning Up, do álbum de estreia.

A celebração musical contém os necessários hits como Vogue, Like a Virgin, Like a Prayer, La Isla Bonita, Holiday, Erotica, entre outros, que vão aparecendo, ora cantados, ora remixados a outras canções ou em momentos de prelúdios.

Mas nem sempre o globo espelhado e os refletores coloridos dão luz à carreira da artista.

Em uma das cenas mais belas da apresentação, os dançarinos vão caindo, um a um, enquanto a música também entra em câmera lenta.

Madonna inicia, então, a tocante Live to Tell, enquanto passeia em um palco suspenso sob a cabeça do público.

A interpretação intensa faz jus às imagens do telão que vão mostrando amigos da cantora que se foram vítimas da aids, entre eles Freddie Mercury, Keith Haring, Martin Burgoyne e outros.

Madonna volta a falar sobre a doença quando fala sobre sua família do coração. Ela tem quatro filhos adotivos, David, Mercy e as gêmeas Stella e Estere, que participam da turnê.

Em seu discurso, Madonna lembrou que quando visitou o Malawi, país de origem dos filhos, ela disse que parecia ter voltado ao passado, vendo muitas pessoas morrendo de aids nos hospitais.

Em outro momento tocante, durante a música Mother and Father, o filho David toca violão enquanto Madonna canta enquanto fotos da mãe da artista e da mãe biológica do jovem músico aparecem ao fundo.

Madonna celebra também a comunidade LGBTQIA+ tocando, sozinha, ao violão, o clássico de Gloria Gaynor, I Will Survive, após um fala poderosa sobre estar viva após contrair uma bactéria e ser internada em uma UTI pouco antes da estreia da turnê.

A definição de um ícone pop pode ser traduzida como a união de elementos certeiros de conexão entre o artista e seu público. Madonna consegue fazer isso de maneira absolutamente exemplar.

Das lágrimas ao êxtase absoluto, da música dançante às baladas tocantes, do exagero ao minimalismo, do erótico ao santo, Madonna é a mistura do mundo em uma pessoa. Uma existência capaz de fundir e explorar as contradições humanas em duas horas de espetáculo que, no fim, permanecem dentro da gente para sempre. Não seria isso, por fim, o verdadeiro papel da arte?

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