Pessoalmente, gosto muito de considerar as épocas históricas enquanto representadas por modelos humanos de homens símbolos característicos. É impossível falar da Antiguidade Clássica sem lembrar de Péricles ou do trio de grandes filósofos que plasmaram o pensamento grego e até hoje dão forma ao nosso pensamento ocidental: Sócrates, Platão e Aristóteles. É impossível falar do Renascimento sem imediatamente recordarmos as figuras de Maquiavel, de Lourenço de Médici ou de Leonardo da Vinci. Quando o assunto é Revolução Francesa, desde logo outro trio nos vem à mente, bastante sanguinário por sinal; refiro-me às figuras sinistras de Danton, Marat e Robespierre.
Em termos brasileiros, quando falamos no processo de Independência, iniciado em 1808 com a transferência da Família Real para o Brasil, formalizado jurídica e institucionalmente em 1815, com a elevação do Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves, e finalmente concretizado em 1822, não podem ser esquecidas algumas figuras centrais. Em primeiro lugar, o jovem e fogoso Príncipe D. Pedro; em seguida, sua esposa D. Leopoldina, injustiçada e traída, mas sempre fiel e com importante papel político e diplomático; e, por fim, José Bonifácio, o conselheiro que, com verdadeiro senso de estadista, conseguiu garantir uma separação não traumática e na linha da continuidade, impedindo assim que o Brasil se esfacelasse à maneira da América Espanhola.
A vida de um homem-chave, bem estudada, ajuda a compreender melhor a sociedade e o tempo em que ele viveu. Longamente esteve proscrito, pela “inquisição” acadêmica do século XX, o gênero biográfico, considerado elitista e ultrapassado; privilegiou-se, a partir da famosa “École des Annales”, a história social, econômica, quantitativa. Por influência do marxismo, durante décadas se impôs esse modelo, com pequenas variações. Foi somente depois de entrada em cena da chamada “Terceira geração dos Annales”, que a pesquisa historiográfica se foi libertando das amarras e limitações do reducionismo economicista do marxismo e se abriu para a consideração dos aspectos culturais das sociedades do passado. O processo libertador das amarras do positivismo, iniciado em 1928 com Marc Bloch e Lucien Fèbvre, deu assim mais um passo – pois, queira-se ou não se queira, o marxismo não se distancia muito do velho, fossilizado e ridicularizado positivismo. Ambos surgiram no mesmo contexto histórico e cultural do século XIX e o que têm em comum é muito mais do que os separa. Voltarei a escrever sobre isso, que não constitui o tema central do artigo de hoje.
Falando do gênero biográfico, foram precisamente dois membros da “terceira geração” dos Annales, os medievalistas Jacques Le Goff (1924-2014) e Georges Duby (1919-1996), que relançaram a voga das biografias de grandes vultos históricos. Duby publicou, em 1984, a biografia de William Marshall (com nome afrancesado para Guillaume le Maréchal), cavaleiro inglês que galgou todos os graus da escala da nobreza cavalheiresca do século XII e chegou, mesmo sendo analfabeto, a regente da Inglaterra. E Le Goff deu a lume, em 1996, uma volumosa biografia do rei-cruzado São Luís IX, personagem altamente representativo do século XIII. Depois dessas publicações, o gênero biográfico voltou à “legalidade acadêmica”. Como as roupas, os cortes de cabelo, os automóveis e os produtos de consumo em geral, também os gêneros historiográficos têm seus modismos...
Um homem símbolo de sua época que gostaria de focalizar hoje não é medieval, mas bem mais recente. Falarei de Thomas Alva Edison (1847-1931), o conhecidíssimo inventor da lâmpada elétrica, que corresponde bem precisamente ao modelo humano de um inventor de excepcional talento, capaz de utilizar, em proveito do progresso tecnológico, as mais recentes descobertas nas áreas de diversas ciências. A esse título, foi um homem típico de seu tempo.
Mas não o foi somente a esse título. Também no momento em que a Revolução Industrial dava um verdadeiro “salto qualitativo” para a produção massiva, num ritmo e num estilo novo que se convencionou chamar fordista, Edison foi, ademais de cientista e inventor, um verdadeiro capitão de empresas. Fundou e dirigiu inúmeras delas, erigindo um verdadeiro império econômico que estendeu seus tentáculos por muitos países e constituiu uma das maiores fortunas do mundo. Também a esse título foi, sem dúvida, homem típico de seu tempo.
Edison não foi um “gênio isolado”, um pesquisador colocado numa espécie de torre de marfim, sem contato com seus semelhantes. Pelo contrário, recrutou, organizou e propulsionou uma equipe de trabalho muito grande, fazendo convergir para o mesmo fim os esforços de incontáveis cérebros. Muitos dos auxiliares diretos dele eram inventores que ficaram ofuscados pelo brilho maior de Edison, mas que poderiam por si sós, individualmente, se ter tornado famosos pelo seu talento pessoal.
Edison possuía uma capacidade de trabalho descomunal. É muito repetida, em livros dos mais diversos gêneros, uma frase atribuída a ele: "gênio é um por cento de inspiração e noventa e nove por cento de transpiração". Nada mais verdadeiro!
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