21 de dezembro de 2024
ARTIGO

A espontânea reclusão dos jovens

Por Cecílio Elias Netto |
| Tempo de leitura: 3 min

Eis, então, que o jornalista se moveu à lembrança de um ditado: “Cada roda com seu fuso; cada povo com seu uso.” O motivo foi a notícia informando que o governo da Coreia do Sul passou a oferecer um alto salário mensal à juventude do país. O porquê? Apenas para que os jovens coreanos voltem a “sair de casa”, deixando, pois, a reclusão espontânea em que estavam. O nome disso – no passado histórico da humanidade – era “fuga mundi”. Que não se confundia, porém, com “contemptu mundi”.

Na Antiguidade, estoicos propunham a “fuga mundi” como um modo de se defender das ilusões e frustrações causadas da vida em sociedade. Pensavam em viver próximos à natureza e, com ela, reagir ao que lhes parecia estar morrendo. A visão do “contemptu mundi” foi a do desprezo ao mundo e à vida terrena, tidos como um “vale de lágrimas e de pecado”. Até uma oração cristã – a “Salve Rainha” – lamenta: “....  a Vós, suspiramos, gemendo e chorando neste Vale de Lágrimas.” O que, pois, se fizera do Paraiso Original?

Na realidade, o Paraíso está aqui, diante dos olhos. E pode ser visto, ouvido, tocado e até saboreado. No entanto, uma herança há que nos parece vir desde Eva Adão. A de querer mudar, transformar o mundo. E, ainda mais alucinadamente, a de conquistar o Universo. A admirável imensidão da Terra parece, pois, pequena para as ambições humanas. O chamado ser racional é carente de sabedoria.

Ora, por que jovens não mais saem de casa? Para quê, por quê, se controladores da vida já os instrumentalizaram para crer apenas num mundo virtual? Desde a primeira revolução industrial, em meados do século 18, as máquinas começaram a transformar as vidas, em nível pessoal e social. E nunca mais parou. O sonho de Ícaro, de alcançar os céus, continua vivo, mesmo sabendo-se do final trágico do personagem. E isso reflete a mais profunda ambição humana: querer ser deus.

Minha geração foi a dos “moleques de rua”, tão diferentes do que deles se diz hoje. Pois as ruas eram dos moleques. A liberdade de ir e de vir, de ficar, de andar a esmo a exemplo dos adoráveis cãezinhos vira-latas – as cidades eram calmas e generosas. Não havia medos. Nem da polícia, nem de bandidos, algo que, em alguns lugares, se confunde. Aliás, policiais eram amigos das famílias. E não há quem, tendo convivido com eles, se esqueça de um Cabo Trevisan, de um Cabo Júlio, de um Coronel Corlatti...

Jovens e adolescentes saíam das escolas e iam conversar em bancos de jardim. E rapazes aguardavam, ansiosos, o momento em que moçoilas distraídas – ou propositalmente – erguiam as saias mostrando os joelhos. Era a época em que, como dissera Nelson Rodrigues, “Toda nudez será castigada”. Mas não foi bem assim.

Pensemos, pois: o que haveriam, os jovens, de encontrar nas ruas senão o perigo, ameaças, violência, desconfianças? As ruas eram lugares sagrados, pois que comuns a todos. Castro Alves já as havia imortalizado quando cantou: “A praça é do povo como o céu é do condor.” No entanto, o que era o centro de vida de uma cidade se tornou abrigo para desabrigados, vítimas de sociedade injusta.

Perdendo suas ruas, a cidade perde-se a si mesma. Não por menos, grandes e importantes comunidades estão unindo-se para revitalizar seus centros históricos. Há até um exemplo por assim dizer singelo. O de Amsterdam. Para humanizar a cidade, convocou-se um tocador de realejo. Que, com seus sons e magia, trouxe a população para as ruas. Sem encantos, desafios e seduções, os jovens continuarão a ver o mundo apenas através de seus celulares. Não é pouco diante de tanto?

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