A vida humana é um dom precioso de Deus e deve ser preservada, com supremo cuidado, nos limites que o próprio Criador estabeleceu, desde o seu início, que é a concepção, até o seu termo, que é a morte natural. Na verdade, cada um de nós não é dono da própria vida, que pertence exclusivamente a Deus. Somos apenas beneficiários e depositários desse bem precioso, e dele cada um de nós deverá prestar contas a Deus.
O suicídio voluntário, visto como um ato de covardia por grandes filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles, foi admitido como lícito por algumas escolas filosóficas pagãs (como a dos estoicos e, por razões bem diversas, a dos epicuristas; aqueles a consideravam um ato nobre e virtuoso para libertar o espírito das amarras materiais do corpo, enquanto estes viam no suicídio uma forma cômoda de fugir aos sofrimentos e misérias da vida) e, bem mais tarde, voltou a ser valorizado pelos humanistas que, no período do Renascimento, readotavam princípios do antigo paganismo. Os moralistas católicos sempre o condenaram severamente e a disciplina da Igreja privava de sepultura eclesiástica as pessoas que, à maneira de Judas Iscariotes, colocavam fim a seus dias.
A moral cristã, porém, admite a possibilidade de algumas circunstâncias muito especiais e de extrema gravidade em que uma pessoa pode praticar licitamente algum ato que indiretamente lhe cause a morte, que não é procurada nem como meio nem como fim em si mesma. É o que os moralistas chamam de “voluntário indireto”, quando a pessoa não procura nem quer diretamente matar-se, mas procura e quer um grande bem que, indiretamente, pode acarretar per accidens a morte. É o caso de quem, para escapar de um incêndio, ou a fim de evitar um estupro, se lança de uma altura elevada e por isso morre; não saltou para matar-se, mas para tentar escapar à morte certa e cruel no incêndio ou para fugir a um mal iminente que de outra forma não poderia ser evitado. Também é o caso do militar que, no combate, protege com seu próprio corpo o do seu general, porque sabe que, para o bem da pátria, é mais importante a vida do superior do que a sua própria; ou o do marinheiro que ateia fogo na própria embarcação, para que ela não caia em poder dos inimigos.
A casuística dos moralistas também considera o exemplo de um voluntário heroico que, no contexto dramático de uma epidemia, se dispõe a tratar de doentes contagiosos, sabendo que por certo se contaminará e morrerá em consequência disso, ou que, para cumprir um grave dever de caridade, se expõe à morte certa. Lembre-se ainda o ocorrido com São Maximiliano Kolbe, sacerdote polonês que em agosto de 1941, no campo de concentração de Auschwitz, ofereceu-se com heroísmo de mártir para substituir um dos dez condenados a morrerem de inanição, num subterrâneo, sem luz, sem água nem comida; como sacerdote, ele quis acompanhar na sua lenta agonia os outros nove que, sem ele, morreriam no desespero e privados de assistência religiosa; foi elogiado por seu gesto e canonizado como mártir pela Igreja Católica.
No Antigo Testamento, temos o exemplo clássico de Sansão, que destruiu o poder dos filisteus derrubando sobre três mil deles, e sobre si mesmo, o edifício dentro do qual se abrigavam (Jz 16,22-31); e temos também o exemplo de Eleazar Abaran, que no combate de Betzacaria, narrado no Primeiro Livro dos Macabeus, matou por baixo um enorme elefante inimigo sobre o qual supunha estar o rei Antíoco Êupator, perecendo esmagado sob o peso do paquiderme; com isso, “sacrificou a sua vida para livrar o seu povo, e adquirir um nome imortal” (1Mc 6,44). Foi, ainda, muito discutido o caso da mártir Santa Apolônia de Alexandria, que no ano 249 d.C., depois de ter todos os seus dentes quebrados por pagãos enfurecidos contra os cristãos, foi levada diante de uma grande fogueira e ameaçada de ser nela jogada se não proferisse blasfêmias; antes que os agressores a lançassem ao fogo, ela mesma tomou a iniciativa de saltar nas chamas, numa afirmação decidida de que aceitava a morte voluntariamente, antes que afastar-se de Deus pelo pecado. Não se tratava, pois, de um suicídio propriamente dito ou de uma covarde fuga da vida, mas de um holocausto voluntário, ato de supremo heroísmo caracterizado como martírio e reconhecido oficialmente como tal pela Igreja.
Santo Agostinho, na Cidade de Deus, referiu-se genericamente a algumas santas mulheres cultuadas como mártires pela Igreja, as quais, em tempos de perseguição violenta aos cristãos, preferiram lançar-se nas águas e dessa forma perecer, para não caírem nas mãos de violadores da sua castidade. Se assim procederam, pondera, não foi por censurável precipitação ou por movimento instintivo, mas porque obedeceram a uma especial moção do Espírito Santo, assim como também se deve crer que procedeu Sansão.
Tais casos não podem ser considerados suicídios no sentido verdadeiro da palavra. Suicídio, propriamente dito, é quando a pessoa tira a própria vida por ato deliberado, porque quer deixar de viver. É um ato pecaminoso, indicativo de covardia, falta de confiança em Deus, desespero culposo. Sem dúvida, perturbações psíquicas e emocionais podem em maior ou menor medida atenuar a responsabilidade moral dos suicidas, mas no plano teórico o suicídio é sempre pecado de suma gravidade.
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