21 de dezembro de 2024
ARTIGO

Lembranças de um velho aldeão (9) - Saudosas delícias de “ser comunista”

Por Cecílio Elias Netto |
| Tempo de leitura: 3 min

Que me perdoem os incautos, mas há um misto de ignorância e de ressentimento naqueles que, por qualquer motivo, tacham desafetos de comunistas. Sabem lá o que seja comunismo? Onde e quando se realizou aquele ideal de Marx e de Engels ainda no século 19? A China é um país comunista ou instaurou o “Capitalismo de Estado”?

Ainda há quem, malandramente, veja o comunismo como ameaça permanente. Na realidade, apenas criam um inimigo imaginário utilíssimo para propaganda político-eleitoral. Eles apenas alimentam um espantalho político. 

No Brasil e na América Latina, no pós-guerra, “ser comunista” tornara-se coqueluche de artistas e intelectuais.  Este escrevinhador estava, ainda, na adolescência quando se tornou muito próximo de João Chiarini, nosso grande folclorista. Ele militava no Partido Comunista, então proibido no Brasil. João integrou-me ao mundo do jornalismo e das letras. Sou-lhe grato.

O genial educador Gilberto Amado atiçava a juventude: “O jovem não comunista é alienado; o adulto comunista é tolo”, algo assim. Personalidades notáveis serviam-nos de referenciais: Jorge Amado, Graciliano Ramos, Caio Prado Júnior, Cândido Portinari, Mário Lago, Thiago de Mello, Oswald de Andrade, o chileno Pablo Neruda.

Na realidade, havia, no “ser comunista”, um ideal abstrato de justiça social que não relacionávamos com tiranias, ditaduras, supressão de direitos humanos. A proposta de Lênin era “Paz, pão e terra”. Portanto, muito próxima do que, atualmente, o Papa Francisco propôs, os Três T: terra, teto, trabalho. Jovenzinhos, buscávamos um ideal pelo qual lutar. O apelo comunista era fascinante.

Foram tempos em que a juventude sonhava com um mundo mais justo.  E nunca conheci alguém que lera “O Capital”, de Marx. Nem o próprio João Chiarini. “Ser comunista” significava uma simbiose com o Cristianismo, por paradoxal isso pareça. Pois Marx propusera exatamente aquilo que estava nos Atos dos Apóstolos: “De cada qual, segundo sua capacidade, a cada qual, segundo suas necessidades”. E, ainda mais alentador para os jovenzinhos, havia a versão de os primeiros comunistas terem sido os próprios apóstolos, que venderam tudo o que tinham para dar aos pobres.

Mais recentemente, pesquisando, me deparei com a análise do sociólogo e leigo católico, Pedro Ribeiro de Oliveira, que entende que Karl Marx nunca quis atacar a religião, mas, sim, condenar o modo de produção capitalista que aprisiona e oprime trabalhadores. Marx acreditava, então, que era preciso defrontar-se com a opressão para ser capaz de se libertar. “É o que descobriu, em meados do século 20, a Teologia da Libertação” – continua Pedro de Oliveira, que complementa:

“Esse cristianismo que não tem medo da crítica marxista apresenta Jesus Cristo como Libertador, aquele que anuncia o Reinado de Deus na História humana, que promete a Paz com Justiça – e não a pax romana do Império de César – superando, assim, a imagem de um Deus que habita um céu etéreo e distante, apenas para os virtuosos.”

E essas reflexões me conduzem até 1957 – data que não esqueço – quando fui levado a um barracão na cidade de Americana para ouvir uma palestra clandestina de Luiz Carlos Prestes, o líder comunista brasileiro. Apaixonei-me por ele e por suas ideais. Ele propunha o “Mundo da Paz”, como escrevera Jorge Amado. Prestes me deu, com suas próprias mãos, uma fotografia sua. E, até hoje, quase 70 anos depois, tenho-a diante dos olhos. É meu sinal de respeito por um homem que, mesmo com ideias equivocadas, era digno e íntegro.

Foi paixão da juventude. E, por o ser, morreu. Por fim, descobri que a esperança do mundo melhor estava numa Cruz. E num Crucificado.

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