“Quando vier a Primavera,/ Se eu já estiver morto,/ As flores florirão da mesma maneira/ E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada./ A realidade não precisa de mim.”
Cartum interessante prova – e o leitor sabe a quem se refere o cartunista – que eles detestam poesia. Incomodam-se com tudo o que, no poema, registra o poeta.
Justifico, com isso, epígrafe usada, tentando provar a distância entre o sentir e o ver ou vice-versa, e a realidade insana, cruel, que nos ronda.
Se bem lê a realidade que nos cerca sabe das informações sobre o mundo e de nossas sensações, nele.
Insisto. Como Drummond, não desejo ser “poeta de um mundo caduco. / Também não cantarei o mundo futuro. / Estou preso à vida e olho meus companheiros”.
Estar preso à vida me leva, diante do que sei e vejo, a sofrimento que me embaça os olhos, o coração, a mente. Penso não ser difícil dar ao mundo o que espera de cada um. Dentro de nós há uma coisa que não tem nome. É o que somos. Bem gostaria de encontrar caminhos para trafegar melhor com meus desejos.
O leitor divide comigo estas angústias ou desconsidera, como muitos, a enorme realidade?
Hoje, pior que ontem, além das porções de guerra espalhadas pelo universo por ordem de quem, no poder, quer assim, há miséria, fome, crimes contra crianças e animais.
Se penso no Brasil, quanta judiaria física e moral para um só padre Júlio Lancelotti socorrer. Pior que a escassez de mãos estendidas a vulneráveis, a crítica desmesurada contra quem, o
bediente à formação recebida, busca de socorro e amparo a estes famintos abandonados à própria sorte.
Se isso incomoda, como ignorar no noticiário impiedoso a revelação dos recortes feitos na Amazônia por tantos que por lá perambulam, ilegais todos, colocando em risco a vida da floresta, do planeta e, pior, criando miséria ainda maior e sofrimento insano aos que dela dependem para sobrevida?
A ferida que se expõe ao mundo e choca diz respeito aos índios yanomamis, povos originários, senhores da terra. Difícil entender?
A guerra urbana, a insegurança, o medo assombrando o que resta de esperança e paz. Como acreditar que a vida prossegue e assim deve manter-se? Como, primeiro quartel do século XXI, a humanidade ainda presa a seu comportamento primário, truculento, bárbaro?
Muitos dirão aos que assim veem: melhor morrer. Profético, o poeta há mais de sessenta anos aclara: “Chegou um tempo em que não se diz mais: meu Deus. / Tempo de absoluta depuração. / Tempo em que não se diz mais: meu amor. / Porque o amor resultou inútil. / E os olhos não choram.”
Diante do cenário a poesia é, e será sempre, quem fará a melhor leitura da sociedade, procurando dar respostas. Eles, no entanto, detestam ler ou ver ou ouvir, desdenhando, provando, com isso, que o amor resultou inútil.
Enfim, domingo, o leitor, em especial quem me escreveu sugerindo o texto, merece encontrar algo que nos conforte a vida.
Não sem esforço, caminho à varanda sem filosofia nenhuma, como dita o poeta. Quero sentir, apenas. Cai a tarde. Metáfora perfeita para o instante que me toca viver no compasso imposto pelo Tempo. No corar da terra, reforço força e fé.
O manso caminhar do sol em busca do horizonte lembra-me, agora. Pena não possa esparramar cores pelos cantos da vida, como faz o sol. Fixo-me, então, no cenário que cria, com fulgor e graça. Garanto, apesar do terminar do dia, não sentir tristeza. Em algumas horas, o movimento da Terra fará tudo outra vez. Difere disto, a vida.
Há quem, ao supor-se imortal, não entenda. Também, cmo tudo, acaba. Tudo pode o Tempo. Ressurgir, repetir-se, só mesmo a primavera, o verão com calor e brilho intensos, o outono, o inverno e suas múltiplas variações de cenário. O quebrar de ondas chacoalhando a vida. O vento e o farfalhar das folhas. Quando não estivermos, outros verão.
A natureza mntém-se nova e igual. Agora, por exemplo, os ipês. Róseos. Depois, amarelos. A seguir, brancos. Rodopie a Terra, primavera outra vez. Sem alarde, quando menos se espera, tudo novo outra vez, revirando esperanças adormecidas.
Neste junho mal começado, ipês, copa coroada de flores, soberanos pela cidade. Na beleza, na nobreza e na cor, autoridade, sonho, paz.
Sua exuberante floração, de modo discreto, ao despedir as folhas, no explodir-se em flores, alumbra o peso dos dias. Cumpre seu tempo, acaba, sem importar-se jamais com a finitude deste acontecimento. Sabe que ressurgirá.
Enquanto me permitir a vida, hei de apreciar o despontar de folhas, de flores. Ver e sentir. Distanciar-me dos que têm coração de ferro e não sentem. Se felizes assim, bom proveito. Preciso da vida em si, com crianças, encantando e renovando a vida.
O que é bom conta histórias. Tudo, apesar dos homens, é muito mais humano e faz girar com harmonia, cor e som o sobe e desce da passagem do tempo, a roda da vida.
São estes bons acontecimentos que se impõe a pequenez humana.
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