26 de novembro de 2024
OPINIÃO

Escola não é lugar de violência

Por Guilherme Cortez | Especial para a rede Sampi
| Tempo de leitura: 3 min
Reprodução

Atentados em escolas são sintomas de sociedades adoecidas. Durante a minha infância, esse tipo de ocorrência parecia distante da realidade do Brasil. Nunca fui para a escola cogitando que algo parecido pudesse ocorrer. As notícias de massacres em escolas americanas pareciam uma anomalia de um país que cultuava armas e conflitos militares. Foi só em 2011, quando 12 estudantes foram assassinados na Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro do Realengo na cidade do Rio de Janeiro, que me imaginei nessa situação.

De 2002 até 2023, foram 12 ocorrências em escolas no Brasil – 8 delas desde 2017 –, deixando 41 vítimas. Na última semana, 4 crianças entraram para essa estatística após um atentado contra uma creche na cidade de Blumenau (SC). Na retrasada, uma professora de 71 anos foi assassinada na Escola Estadual Thomazia Montoro, na capital paulista. Quatro anos antes, o palco foi a Escola Estadual Professor Raul Brasil, na cidade de Suzano (SP), quando 8 pessoas foram mortas.

Segundo pesquisa, 68% dos professores consideram as escolas estaduais de São Paulo violentas. Entre alunos, esse índice sobe para 69%. Os professores da rede pública enfrentam diariamente a sobrecarga de trabalho, a baixa remuneração e o quadro insuficiente das unidades escolares, enquanto os estudantes convivem com a pressão dos exames pré-vestibulares, conflitos familiares e pessoais e a necessidade de conciliar os estudos com o trabalho. Agora, além disso, também passam a lidar com o medo dentro das salas de aula.

Massacres em escolas têm como alvo não apenas suas vítimas diretas e indiretas, mas todo o senso de humanidade de uma sociedade. Seus autores têm o objetivo de espalhar o pânico e o horror, atingindo as partes mais frágeis, conseguindo fama para si e incentivando outras pessoas. Desde o atentado na E. E. Thomazia Montoro, a Polícia Civil de São Paulo identificou 279 planos de ataques em escolas, além de dezenas de brigas com facas envolvendo alunos.

O que há em comum entre esses casos? Na maioria deles, os autores compartilhavam conteúdos violentos e participavam de redes de ódio na internet. O responsável pelo atentado contra a E. E. Thomazia, por exemplo, se envolveu em um episódio de racismo uma semana antes, portava símbolos associados a movimentos supremacistas brancos, fazia menção ao atentado de Suzano nas suas redes e chegou a anunciar no Twitter que cometeria o crime.

Não deve ser coincidência, portanto, que o número de ocorrências em escolas cresceu junto com a proliferação de grupos do ódio e o incentivo ao armamentismo no país, principalmente com a ascensão da extrema-direita. De acordo com pesquisadores, o número de grupos neonazistas cresceu 270% até o ano passado, envolvendo 530 núcleos e até 10 mil pessoas.

Na contramão das soluções simplistas, como a proposta de colocar um policial armado em cada escola – ignorando que muitas unidades não têm sequer inspetores – ou o absurdo projeto de capacitar professores já sobrecarregados com treinamentos antiterroristas, é necessário em primeiro lugar desmantelar esses grupos de ódio. Da mesma forma, em uma sociedade adoecida é mais necessário do que nunca efetivar a Lei Federal 13.935/2019, que determina que escolas públicas e privadas do país contem com serviços de psicologia e serviço social.

O incentivo ao ódio e à intolerância, mais cedo ou mais tarde, cobra um preço que ninguém gostaria de pagar. Não se pode, no entanto, isentar de culpa aqueles que naturalizaram gestos de armas até mesmo entre crianças e defenderam a violência como a melhor forma para resolver conflitos. As escolas não podem ser espaços livres para a barbárie. Enfrentar as redes de ódio e impor restrições duras contra a disseminação desses discursos, fortalecer as relações dentro das comunidades escolares e efetivar o atendimento psicossocial é o caminho.


Guilherme Cortez (PSOL) é advogado e deputado estadual por São Paulo