Diante de um mundo que tem urgência de esperança e de renovação! Desde tenra idade tenho sido impactado pela celebração litúrgica do Sábado de Aleluia, a celebração do fogo novo. É profundamente marcante a força simbólica de estar posicionado circularmente, do lado de fora da Igreja, portando velas apagadas, a serem acesas no Círio Pascal, em uma gestualidade ritual que evoca partilha, solidariedade e a mais profunda comunhão. O Círio, por sua vez, é aceso também a partir de uma fogueira, representando o fogo novo, a luz do Cristo Ressuscitado. Então todos os fiéis, agora com suas velas acesas, sob o signo do Círio Pascal, adentram à Igreja, iluminando aquele templo com a luz que renova as esperanças existências.
Já há alguns anos, no decurso entre o tempo da quaresma e o tempo pascal, acabei desenvolvendo o hábito de retomar a leitura do livro Via Sacra da Ressurreição, do teólogo Leonardo Boff. Já se somam mais de 30 anos da primeira vez que tive esse pequeno livro em minhas mãos. E na Comunidade da Favela Azul, no bairro de Americanópolis, em São Paulo, realizávamos, com aquele povo sofrido e suas trajetórias marcadas por tantas violações de direitos, a encenação da via sacra, inspirada no livreto do Boff. Na singela capela Cristo Libertador, da Comunidade Cidade Azul, no itinerário litúrgico da representação das estações da via crucis, o povo ia se identificando com o caminho doloroso do Cristo.
Mas na lá na Favela da Cidade Azul, nossa via dolorosa sempre apontava para a experiência da ressurreição! As dores, os sofrimentos e as violações cotidianas de direitos nunca tinham a última palavra. A luz do Cristo Ressuscitado despontava sempre como o sinal mais vibrante e reluzente, renovando toda a esperança. Mergulhados na desafiante realidade daquela Comunidade, ressaltávamos que Jesus ressuscitou, apesar de sofrer o peso de todas as injustiças; de ter suportado a violência mais bestial e acabar sendo assassinado brutalmente, por ter tido a coragem de anunciar a verdade, indicando a aurora do tempo da libertação. Teologicamente a ressurreição de Jesus significa que Deus escolheu o pobre, o fraco, o perseguido, o banido, o rejeitado, o excluído. A Páscoa acaba sendo então a vitória de todos aqueles que não têm lugar, que tiveram historicamente a sua humanidade negada, na lógica perversa de um mundo sedimento em opressão e exploração.
A Páscoa é tempo da mais intensa esperança! Fazer memória litúrgica dos eventos que envolveram a vida de Jesus guarda uma dimensão profunda e simbólica, relembrando à humanidade que a vida deve ter sempre um sentido muito mais denso e elevado, que se realiza no amor incondicional ao próximo. A profundidade e beleza dos ensinamentos de Jesus; as amizades que nutriu no decurso de sua trajetória; a força transformadora de sua mensagem; toda perseguição que sofreu e sua violenta execução são registros contundentes de que a vida deve se projetar muito mais além, em uma postura que rejeita todo discurso e prática que disseminam o ódio.
A Páscoa é memória de libertação! E as sociedades de hoje, fascinadas pelo ódio neofascista, precisam de luz, têm urgência de experiências de ressurreição! A Páscoa de Jesus ensina que é sempre possível recomeçar, em uma dinâmica simbólica de reacender as luzes da esperança no fogo novo, que ilumina todos os caminhos, abrindo perspectivas de vida a partir de uma outra sociabilidade, solidária, acolhedora, generosa e profundamente comunitária. O projeto de Jesus ressuscita a cada momento no coração de quem luta e constrói o reino da justiça e da liberdade.
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