25 de dezembro de 2024
ARTIGO

O roedor de unhas

Por Rubinho Vitti |
| Tempo de leitura: 3 min

Se eu fosse elencar o meu maior defeito diante de toda minha história de vida, iria dizer, sem dúvidas: roer minhas unhas. Tal ato nojento é absolutamente insuportável, uma mistura de porquice com ansiedade, de automutilação com canibalismo, de terror com culpa. Uma violência comigo para uma subsequente vitimização do ego.

Eu sei lá o motivo que me fez levar a ter um fascínio por essas estruturas de queratina e proteína. Sei que as roo sem cessar. Destruo até sangrar. E quando isso acontece, ainda procuro uma pele que sobra para puxar com mais força, fazendo doer até me sentir extremamente chateado pelo resultado.

Eu não sei como começou, mas parece que é desde que eu usava os dedões das mãos como chupeta para dormir quando criança. Uma forma de me autocompletar, de me sentir seguro? Freud deve explicar.

Estou roendo em grau elevadíssimo durante essa pandemia toda. Por onde passo, deixo um pedaço de mim para trás, provas concretas das minhas andanças pelo mundo em puro DNA.

Eu gosto das minhas mãos. Acho-as bonitas. Elas são alongadas, dedos compridos para boas pestanas no violão e que fazem qualquer urologista morrer de inveja. Por isso sofro muito em vê-las mutiladas. E pior, por eu mesmo.

Mas já tentei de tudo. Esmalte de gosto, fitinha para lembrar de não roer, luvas, dedais. Ultimamente tenho colocado band-aids em todos os dedos e tento mantê-los o máximo que posso. O que acontece é que muitas vezes eles deixam a pele ainda mais molinha, um prato cheio para meus dentinhos famintos.

Falando neles, já percebi que em dois já houveram sequelas de tanto roer unhas. No lateral incisivo direito há um pequeno vinco que surgiu de tanto usá-lo para puxar os cantinhos das unhas. O incisivo central inferior direito eu sinto um desgaste, provavelmente também por utilizá-lo para completar minha ação em arrancar a unha para fora da carne.

É tão terrível que muitas vezes eu não deixo nem a pele se restabelecer e consigo perceber as camadas que tentam, em vão, crescer em cima das outras. Os machucados são constantes. Pequenos pontos vermelhos, tentando cicatrizar. Ou manchas roxas de sangue pisado, depois de uma área vasta de pele ser brutalmente arrancada.

E você pode me perguntar: “mas porque você rói as unhas?”

Roo porque existo. Ao pensar no futuro. Ao lembrar do passado, para esquecer o presente. Esperando uma mensagem de quem quero muito uma resposta ou quando me vejo sozinho.

Posso roer vendo filme de ação, filme de terror, romance. Finais de temporada das minhas séries favoritas. Lendo jornal, é claro!

Já roí unha por amor. Por paixão. Por ódio. Por desespero. Por distração. Sem querer, de propósito. Aprendi a conjugar o verbo roer, roendo unhas, claro.

Calma, estamos chegando ao final e eu sei que você deve estar engolindo seco, quase mordiscando a pontinha do dedo de angústia em ler essas palavras nada confortáveis de um rapaz que desesperadamente come os próprios dedos.

O fato é que neste exato momento minhas mãos estão ocupadíssimas escrevendo tudo isso. É porque quando escrevo, estou em paz. E em paz ninguém rói unhas. Mas não se anime. Logo vou tirar meus dedinhos deste teclado e finalizar este artigo. Aí então vai começar tudo de novo…

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