26 de dezembro de 2024

Viver a vida

Por Marisa Bueloni |
| Tempo de leitura: 3 min

Por Marisa Bueloni

Deus terá preparado algo grandioso para cada um de nós. Ainda que muitos não acreditem, eu acredito. Creio firmemente que cada um carrega sua missão neste mundo e aqui está por alguma razão. Creio também que nada acontece por acaso. Há um sentido e um propósito em tudo o que nos acontece, sobretudo com relação às pessoas com as quais cruzamos. Ou que cruzam nosso caminho, feliz ou infelizmente.

Logo depois que fiquei viúva, fui a uma consulta médica e o doutor, muito gentil, sabendo do passamento do meu marido, disse: "Então, ele se foi. Mas você ficou porque sua missão aqui ainda não terminou". Deixei o consultório, entrei no meu carro e aquilo não saía da minha mente: minha missão aqui ainda não terminou. 

Nossa missão neste mundo é viver a vida. Nascemos, tivemos nossa infância querida (nem todos a tiveram assim…), passamos pela bela juventude dourada que nos encheu de sonhos e um dia nos tornamos adultos para sempre. Vem a fase da maturidade, do casamento, dos filhos e depois os netos, num ciclo perfeito, que vamos cumprindo agradecidos e maravilhados. 

Viver a vida é também estar atentos ao que acontece a nossa volta e não perder um momento sequer, onde existe algo para aprender e crescer como pessoas. Borges dizia que, se pudesse voltar atrás, teria dado mais voltas no seu quarteirão, pisado em folhas secas, visto mais vezes o pôr-do-sol, contemplado o céu.

Às vezes, penso nisso. No que faria se pudesse voltar atrás. O que teria feito de diferente. Muitas coisas, creio eu. Quem sabe também me sentaria num canto adorado para contemplar o sol se pondo num entardecer inesquecível. Teria ficado mais tempo no alto da mangueira amada. Teria pensado melhor antes de algumas atitudes. Teria parado na frente de um jardim com rosas.

Ah, meu Deus, não passar indiferente a um raro jardim com rosas. Onde estão as roseiras de antigamente? Quase não se vê mais a fachada das casas, a maioria com muros altíssimos e portões eletrônicos. Temos agora a arquitetura do medo e do aprisionamento. As casas são fortalezas para enfrentar um tempo violento. Quem vai se dar ao trabalho de cultivar um jardim? Bastam os muros e alguns pinheiros verdes para atenuar a dureza da pedra.

Talvez você sinta falta das rosas e dos jardins. Agora, eles existem secretamente, nos condomínios fechados. Minha casa da infância tinha uma mureta baixa, portãozinho pintado de azul, um terraço gracioso, dois bancos de madeira com pés de cavalo e uma trepadeira vistosa que dava florinhas cor-de-rosa, delicadas. Quem passava na rua parava pra olhar. Meu pai tinha orgulho do nosso jardinzinho em frente a casa e eu, menina, varria as folhas vadias sob um céu arrebatador.

Aquilo tinha um encanto especial. Varrer as folhinhas que caíam da trepadeira no terraço gentil. Era um tempo de venturas e o coração ainda não sabia disso. Só muito mais tarde estas belezas da vida se revelam para nós. Este encanto tardio nos perfura por dentro e a alma sofre o indizível. Belo é todo tempo que passou.

Viver a vida! Descobrir qual a nossa missão e cumpri-la devotadamente. Protagonista de uma história particular, desempenhamos nosso papel, dia após dia, esperando merecer a coroa da glória. Paz e Bem!

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