25 de dezembro de 2024

Atitudes

Por José Faganello |
| Tempo de leitura: 3 min

Atitude é a maneira de ser. Mesmo os mais destemidos raramente expõem tudo o que sabem o que sentem.

Sempre houve, ora aqui, ora ali, um corajoso a desmascarar as aparências e a ridicularizá-las. Nunca foram bem vistos, o destino deles, invariavelmente, foi o de serem desprezados, perseguidos ou mesmo banidos para longe – as verdades, ditas sem nenhuma cerimônia, machucam por demais os egos inflados e acostumados à admiração provocada naqueles que são levados pelas falsas aparências.
Em nossa história tivemos, no longínquo 1694, um exemplo: Gregório de Matos e Guerra, nascido de família abastada em Salvador, foi para Portugal onde se formou na Universidade de Coimbra. Lá ocupou vários cargos na magistratura portuguesa. Ao enviuvar em 1678, abatido e desiludido, retornou ao Brasil. Em Salvador passou a satirizar os poderosos em poemas acompanhados de viola. Banido para Angola retornou um ano depois, mas foi impedido de regressar a Salvador indo para Recife, onde faleceu no ano seguinte. Um de seus sonetos, causadores do seu exílio, não perdeu a atualidade: “Neste mundo é mais rico, o que mais rapa: / Quem mais limpo se faz tem mais carepa: / Com sua língua ao nobre, o vil decepa: / O velhaco maior sempre tem capa. / Mostra o patife da nobreza o mapa: / Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa; / Quem menos falar pode, mais increpa:/ Quem dinheiro tiver, pode ser Papa./ A flor baixa se inculca por Tulipa;/ Bengala na mão, ontem garlopa:/ Para a tropa do trapo vaso a tripa,/ E mais não digo, porque a musa topa/ Em apa, epa, ipa, opa, upa”. Definiu sua cidade Salvador assim: “De dois ff se compões esta cidade, a meu ver, um furtar, outro foder”.
Linguajar tão desabusado a denunciar patranhas de autoridades e menosprezar seu torrão natal, em uma época em que o atraso era muito maior do que o atual – quanto maior o atraso, maior o bairrismo – teria, como resultado, o doloroso exílio.
Não foi o único a sofrer este tipo de castigo diante de tal comportamento. Costuma-se afirmar que a verdade dói, mas é verdade. Ninguém quer padecer nenhuma dor, principalmente aquela que lhe machuca o ego e empana sua vaidade.
Quando a realidade é mostrada através da sátira, o ferimento é mais doloroso, mais profundo. Ela é a melhor maneira de expor os defeitos alheios, provocar o riso das fanfarronadas e dos pensamentos vãos dos pretensiosos levando-os ao ridículo.
A indignação inspira as sátiras e as fazem vicejar nas mais variadas formas: música, poesia, cartuns e charges. É verdade que, muitas vezes, aquele a quem é endereçada a vê como um espelho no qual descobre o rosto de todo o mundo, menos seu próprio.
Para eles, a ilusão e a mentira tornaram-se verdades – verdades e ilusões que não conseguem tornar realidades. Unamuno nos advertiu que “mais vale o erro em que se crê do que a realidade em que não se crê; pois não é o erro, e sim a mentira que mata a alma”. Uma vez morta, os sentimentos em relação aos outros se amesquinham, tornando-nos insuportavelmente orgulhosos.
É por isso que os corajosos, aqueles que não temem satirizar atitudes de vaidades ridículas, merecem nosso apoio. Os romanos afirmavam que: “rindo se corrigem os costumes”.
Embora Erasmo, em seu “Elogio da Loucura”, afirmou que a vida dos mortais é uma peça de teatro, na qual todos aparecem com o rosto coberto de máscara e desempenham seu papel até ser tirado de cena, tirar a máscara do santo que encobre o diabo, ou do medíocre que alardeia competência, sem dúvida, dá um toque especial ao espetáculo e, demonstra que há quem se dispõe a tomar atitudes com o destemor não comum à maioria.

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