11 de dezembro de 2024

Cálice

Por Rubinho Vitti |
| Tempo de leitura: 3 min

Muito melhor que um bom cálice de vinho em uma noite fria é o silêncio que o acompanha. O som da golada quase ecoa enquanto o álcool queima a garganta. O tilintar da taça repousando sobre a mesa é o único empecilho que atrapalha a doce paz que relaxa os tímpanos.
Discordo de Caetano quando diz, na canção "Pra Ninguém", que "melhor que o silêncio só João". Nem ele, Caê, nem ele é melhor.

Em um planetinha safado e medíocre como o nosso, o silêncio está cada vez mais raro e impossível.
Eu poderia estar falando do barulho das cidades com suas buzinas e sirenes, dos bêbados no fim de noite ou dos gritos de desespero de alguém que perdeu um ente amado. Seria o ronco do colega de quarto ou do cão da vizinha latindo para a parede? Não! Tem som que é bem mais alto, creia.

O som da retórica do idiota. Do discurso do imbecil. Da narrativa do abobalhado. Essa ensurdecedora máquina de falar besteiras que todos os dias temos que ouvir. É preciso estômago -- e tampões de ouvido -- para enfrentar tais desatinos boçais e barulhentos.
Seja o presidente do país ou um jovem desconhecido que você acaba tendo o desprazer de conhecer por sua notoriedade ao dizer "mierda" (assim mesmo, em espanhol, para não desaforar os desaforados).

É um mar de desconhecimento espalhado mundo afora pelas redes sociais e plataformas de comunicação. Ferramentas que poderiam ser úteis até que os inúteis a tomaram para si. Por isso mesmo, a cada "cale-se" que reina no universo interplanetário, é motivo para celebrar.

Um lado interessantíssimo dos podcast é poder ouvir pessoas inteligentes e especialistas sobre determinado assunto, por outro, um certo lado negro das plataformas, reúne completos imbecis para desbravar o vazio de seus cérebros e ideias que tiram do fundo de suas entranhas, compartilhadas com milhões.
Imagine juntar dois apresentadores ceifados de inteligência e informação para falar sobre um tema grave e importante na história do mundo: o nazismo.

Sem a presença de um especialista no assunto, eles -- e mais um convidado que simplesmente senta na cadeira da Câmara dos Deputados federal -- afirmaram que é um direito, uma liberdade, existir o partido nazista no Brasil com amparo da lei.
Como se nazismo fosse algo digno de liberdade de expressão e criação de algum tipo de organização para existir.

Será que eles já viram O Pianista, ouviram algum sobrevivente do nazismo falar sobre o que viveram, leram o Diário de Anne Frank ou visitaram um museu do holocausto ou um campo de concentração?
É inadmissível pensar que alguém possa ao menos acreditar que um crime contra a humanidade como o nazismo possa ser reconhecido de alguma forma.

O tal do apresentador, que eu me recuso a citar o nome, é daqueles liberaizinhos chinfrins que confundem liberdade de expressão com liberdade criminal. Outro dia mesmo, defendeu que é direito de uma pessoa, ou "uma liberdade", ser racista.
E há quem dá palco para imbecis deste nível. Vamos parar de fazer gente idiota famosa? Que tal? Basta escolher melhor o que ouvir, ler e consumir. Assim, a gente não precisa ser obrigado a ouvir tanta porcaria todos os dias e chegar, cada dia mais, perto do silêncio. Apenas, calem-se!

Dito isso, parece que um sonho acaba ficando cada vez mais presente nos meus objetivos futuros. Encontrar um cantinho de terra, longe de tudo e de todos, onde o silêncio impera, com interferência apenas do pastar das vacas, do ciscar das galinhas e a única burrice que poderei ouvir será o relinchar sinfônico de um belo jumentinho, o animal.

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