21 de dezembro de 2024

Perdas e ganhos

Por André Sallum |
| Tempo de leitura: 3 min

A vida humana pode ser compreendida como uma sucessão de acertos e erros, conquistas e fracassos, luzes e sombras, na relatividade e dualidade em que vivemos. Durante esse processo, em inúmeras situações nas quais não é possível conseguir o que se almeja e quando as perdas se tornam inevitáveis, renunciar torna-se a única ou a melhor alternativa.

Diante da impossibilidade de se ter os próprios desejos e caprichos atendidos, passa-se, muitas vezes a contragosto, a abdicar do que até então era objeto de seus anseios. Renunciar parece difícil e doloroso justamente pelo tamanho do apego, da ilusão, da ambição, do orgulho e das demais faces do ego, sempre pronto a desejar mais e resistente a abrir mão do que o alimenta. Por isso a necessidade de purificar a personalidade, a fim de facilitar o livre fluxo de energias criativas e curativas.

Sob uma perspectiva abrangente, pode-se reconhecer que quando alguém renuncia ou se desapega, frequentemente está abrindo mão de desejos, fantasias, ambições – tudo o que poderia iludi-lo e escravizá-lo, e que, se mantido, perpetuaria limitações, conflitos e sofrimentos. Portanto, aquele que reconhece o supérfluo e abre mão dele, que perde no jogo quase sempre perverso deste mundo, ao aproveitar a oportunidade, sai vitorioso, pois torna-se mais livre. Quantas vezes nos queixamos ao perdermos as algemas que nos prendiam? Devido à nossa imaturidade e ignorância, lamentamos a retirada de amarras que nos tolhiam e nos rebelamos diante da impossibilidade de perpetuarmos comportamentos viciosos, sem percebermos que estamos sendo beneficiados pelas aparentes perdas.

Ao se compreender com maior profundidade o apego e os desejos, o que seria uma perda difícil e dolorosa passa a ser um natural despojamento do que não serve mais. Esse processo pode se dar não somente em relação a objetos e bens materiais, mas igualmente com ideias, relacionamentos, crenças, condicionamentos, vícios – tudo o que pode limitar e tornar-se obstáculo na trajetória evolutiva. As perdas e renúncias, que podem ser vistas como algo doloroso, sacrificial e martirizante, também podem ser consideradas sob uma perspectiva positiva, como libertação e sublimação rumo a uma vida mais harmoniosa, saudável e feliz.

O que parece dificultar esse trabalho de desprendimento é a identificação, seja com preconceitos, crenças, ideologias, partidarismos, nacionalismos. Quando alguém se prende a esse tipo de identificação e a cultiva, alimenta intolerância, exclusão e violência, sobretudo quando disfarçados de virtudes e de fidelidade a princípios supostamente respeitáveis. Esse padrão, quando não reconhecido, curado e erradicado, tende a crescer e a dominar áreas da vida que comprometem não somente a saúde psíquica individual, mas igualmente as relações interpessoais, grupais, institucionais e internacionais, com consequências desastrosas.

Reconhecer tal condição e libertar-se dela deve, pois, fazer parte indissociável de um processo educativo.
Desapegar-se é uma arte que se expressa nos atos mais simples. Durante uma caminhada, é preciso soltar-se do apoio do solo a fim de dar o próximo passo; a árvore necessita liberar o fruto a fim de que esse possa cumprir seu destino de alimentar e propagar a espécie; a flor precisa liberar seu perfume, espalhando a essência que produz. A vida e a Natureza nos convidam incessantemente a aprendermos as lições do desapego e da doação, a fim de alcançarmos uma existência cada vez mais livre, plena e feliz.

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