25 de dezembro de 2024

Eterna manhã

Por Marisa Bueloni |
| Tempo de leitura: 3 min

Era uma manhã de um sol estonteante, que reluzia no piso do quintal, nos muros, em toda parte que eu olhasse. Poucas nuvens no céu. O azul puríssimo se derramava sobre mim como bênção estratégica. Eu estava tomando sol e senti a iluminação. Comecei a andar pelo meu quintal, embriagada de luz solar, de azul celeste e de um profundo sentimento de paz. Paz interior. Mas também paz exterior, cortada apenas pelo pio dos passarinhos. Estava rezando o terço, caminhando e refletindo na Paixão do Senhor. Foram momentos de intensa devoção, de grande avivamento na fé, na esperança e na caridade. Eu perdoei o mundo, perdoei tudo e todos, naqueles momentos de sublime enlevo e profunda oração. Por inúmeras vezes havia caminhado pelo meu quintal rezando o terço, e nunca antes me ocorrera tal arrebatamento interior! Parei, parei para me entregar a um quase êxtase, mas também uma dolorosa agonia do corpo e da alma. Pensei na beleza, esta que nos escapa a todo instante, e que foge de nós tão logo a percebamos aqui e ali. Impossível apreender a visão da sua presença. Busco por ela sem cessar e também peço a Deus não permitir que eu morra sem ter visto a beleza. Persigo seus rastros desde menina e já tive vislumbres de sua essência, em momentos iguais aos do quintal, quando a luz me invadiu sem pedir licença. Amo o sol. Sou sua guardiã pela eternidade. Sei de uma “luz que não se apaga” e desconheço a natureza deste “sol” impossível de ser descrito por sentidos humanos. Há de ser uma luz puríssima, sempre a brilhar para os corações dignos dela. Um dia eterno, que nunca termina. Envolvida pela luz da manhã, perdoei o mundo, senti a sua dor, e perdoei a mim mesma. Este, o perdão mais difícil. Não sabemos nos perdoar, compreender a nossa própria fraqueza, dar um desconto para os erros da juventude, imputar penas menos severas à nossa pouca inteligência para lidar com situações de medo e insegurança. Quero de volta esta manhã tão lúcida e tão bela. Não me esquecerei, jamais, do que senti e do que sonhei, envolta pelo sol que brilhava em minha alma e cantava dentro de mim a música dos séculos. Uma vastidão de tempo passou pelo meu pensamento, por alguns segundos, naquela manhã eternizada nas minhas impressões de vida e de eternidade. A permanência das coisas criadas. É de vida que vos falo. É sobre a vida que escrevo. Nenhum pensamento diferente do que seja vida em toda a sua glória. A morte nem passou perto da manhã que vibrava em tons de um azul incomum. Um céu jamais visto em outubro algum. Não por mim. Por mim, daria o assunto por encerrado, não fosse a beleza que significou aquela manhã particular. Tudo nela poderia ser discutido. O início, a gênese de todas as coisas, a explosão do cosmo e suas ressonâncias cheias de luz e de vida. O planeta Terra, a química, a física, o sistema solar inteiro – tudo cabia no esplendor daquela manhã azul. Bem, é isto. Não quero vos cansar com descrições desnecessárias. Mas é imperioso partilhar um momento de tanta grandeza, beleza e profundidade. Nele mergulhei para entender o mistério. Dele saí embriagada de perplexidade. Agora estou assim, quieta e silente. Se falar um “a” estrago a plenitude da compreensão, o substrato da intensidade. Nenhuma palavra agora. Para não romper o prodígio. Silêncio.

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