25 de dezembro de 2024

A Visão Inesquecível

Por José Faganello |
| Tempo de leitura: 3 min

“La vida es sueño, e los sueños, sueños son” (Calderon de la Barca).
Acordou cedinho. Estava uma manhã muito fria. Teve um pressentimento muito vago, uma sensação indefinida, o que seria?
Normalmente tinha bom apetite. Seu café da manhã foi rápido, quase não comeu nada. A ansiedade tirava-lhe a fome. Assistiu às aulas no mundo da lua. Sequer saberia dizer quais foram as que teve naquela manhã. Quase não almoçou. Tão ansioso estava, que resolveu espairecer. Pegou a vara de pescar e, com o enxadão, cavou o suficiente para conseguir iscas necessárias. Foi pescar com o coração pesado e semblante triste. Era um riachinho de águas muito límpidas. Praticamente, ali não havia poluição alguma. Sentindo sede pela caminhada, cortou uma folha de taioba, fazendo dela uma taça e bebeu com sofreguidão a água límpida e gelada. Ela descia direto de serra. A margem esquerda, onde pescava, não pegou um peixe sequer. Atravessou por sobre as pedras para o outro lado. Ali ficou quieto, tentando melhor sorte. Definitivamente não era seu dia - dois lambaris, dois mandis e um cará foram sua mísera safra. Se os peixes nada queriam com ele, em contrapartida, a indefinível sensação não o abandona. Foi então que aconteceu: surgida do nada, de uma beleza biscuí, ela apareceu, qual visão celestial. Não demonstrou ter pressentido sua presença; ele apenas ficou estático, observando o outro lado do riacho com a respiração suspensa. Ela, mão em concha, agachou-se e sorveu a água cristalina, com indisfarçável prazer. Ao erguer os olhos, sentiu os dele. Corou levemente e teve um estremecimento de medo. Ele continuou imóvel, fascinado e esforçando-se para disfarçar um incontido tremor que começava a sacudi-lo. E, assim, como surgiu, ela, deslizando imperceptivelmente, desapareceu.
Demorou em acreditar que ali, ela não mais estava. O desapontamento foi como se algo desabasse em seu íntimo. Jogou sua risível pescaria de volta às águas e, sem o cuidado anterior, novamente por sobre as pedras lisas, voltou à margem onde antes estivera e ela havia aparecido. Não conseguiu vislumbrar seu rastro, mas teve a sensação de sentir um perfume inebriante, o perfume que, com certeza, ela espalhava pelos caminhos que percorria. Depois de demorada busca nada achou.
Nunca mais acordou com aquele pressentimento. Voltou muitas vezes para pescar naquele lugar. Jamais ela reapareceu; no entanto, talvez fruto de sua imaginação, aquele perfume, de quando em quando, o envolve e reacende nele as emoções daquela tarde. Para conformar-se, rele os versos de Vicente de Carvalho: “Essa felicidade que supomos/ Árvore milagrosa que sonhamos./ Toda arreada de dourados pomos/ Existe sim; mas nós não a alcançamos,/ Porque está sempre apenas onde a pomos,/ E nunca a pomos onde nós estamos”.
Ao contrário do que Shakespeare versejou: “mal se encontraram ,logo se olharam , mal se olharam, logo se amaram; , logo suspiraram, mal suspiraram, perguntaram o motivo de haverem feito ;mal souberam a razão, logo procuraram o remédio. Aqui, ao contrário demoramos muito, no lugar de dar remédios que eram
vacinas provocaram uma matança jamais vista por aqui e o pior é que vai continuando sem saber quando terminará…”.

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