27 de julho de 2024

A vida é uma luta

Por Marisa Bueloni |
| Tempo de leitura: 3 min

Nestes meses de isolamento – e eu os cumpro fielmente –, a vida tem passado. Deus sabe como. Ajudam-nos os filmes do Netflix. Tarde da noite, e os capítulos da série maravilhosa nos tiram o sono. Só mais um, só mais este. Ertugrul, o grande guerreiro otomano, ou a cozinheira de Castamar cumprindo o seu destino.

Não tenho badaladas do relógio, mas um tic-tac cúmplice sobre o criado ao lado da cama. Nem olho, pra não saber que horas são. E vou em frente, na leitura do livro amado e também da Bíblia. Sim, temos de ler as Escrituras, se desejamos alcançar um pouco de sabedoria. Sobretudo, para que a Palavra seja lâmpada para nossos pés, luz para nosso caminho.

E assim, a vida vai passando. Na 4ª feira é dia da aula de yoga. Já deixei o Pilates, por precaução, e não posso perder as preciosas aulas de yoga que tanto bem fazem à minha coluna – e ao meu espírito, neste enigmático passar da vida. Reunimo-nos numa boa sala vazia, na casa de uma irmã querida. A esta altura do campeonato, nada poderia ser mais bem-vindo e mais milagroso!

Dedico-me de corpo e alma aos exercícios, às asanas, quero ser uma aluna aplicada de uma prática que descobri tardiamente, e que me foi apresentada por uma imposição da pandemia. Ah, as posições do guerreiro, eu as amo e pratico a postura na certeza de que estou lutando.

Tenho um neto guerreiro. Ele luta com o ar, com o invisível, com o que imagina ver pela frente, talvez combatendo as naves e os alienígenas que estão invadindo a Terra. Luta com as suas espadas de plástico, presentes de todos que sabem de sua paixão pela luta. Foi formando a sua coleção de espadas e quem deseja agradá-lo, dê mais uma.

Às vezes, vendo-o brandindo no ar seus movimentos de fogo, penso que eu também gostaria de ser uma guerreira. Minha flamejante arma derrotaria de vez este vírus maldito que está levando embora tanta gente linda e amada! Ah, Deus Pai! Ouvi o nosso grito de socorro. Vinde curar a nossa Terra!

“A vida é uma luta”, dizia minha mãe, todos os dias. “Chova ou faça sol”, ela repetia, “temos de lutar e encarar de frente”. Isso me inquietava profundamente. Lutar, lutar, lutar. Uma menina de 10 anos começa a se preparar para a luta. De onde virá o primeiro intruso? Cadê as minhas armas? Ah, não, minha mãe se referia à luta da vida, aquela que temos de enfrentar de cabeça erguida e o espírito intrépido.

Todos nós já lutamos um dia. Uns mais, outros menos. Mas sabemos o que é ganhar e o que é perder. O que é sofrer. A mágoa da derrota, da decepção, da traição de quem julgávamos amigo. A dor da perda e do luto. Tantas vezes, nem tivemos tempo de lutar. A vida fez este trabalho para nós, poupando-nos de mais um embate infrutífero. Dona Vida ganha sempre.

Vamos vendo a vida passar, aqui de nossas casas, do nosso abençoado banco no jardim ou na garagem. A lua no céu noturno, as estrelas profundas acenando lá do alto. Nem queremos mais olhar. As lágrimas de tantos embates tolhem nossa visão amorosa. Deus lá habita. E cá embaixo, somos formiguinhas apressadas, rezando o terço diário da nossa fiel devoção.

O que seria de nós sem nossa fé, sem nossa gentil esperança? Sabemos que um querido pegou o vírus e está no tubo da espera, uma querida se foi para sempre e buscamos nos consolar com a promessa do reencontro entre os eleitos do Senhor, os que irão gozar as delícias supremas no Paraíso eterno.

Então, vou fazendo yoga, indo aos médicos de praxe, vou tomando sol no meu abençoado quintal, rezando o terço e clareando o cabelo, vou cozinhando a minha comida, lavando a minha roupa, fazendo um pouco de caminhada aqui nas ruas do condomínio gracioso onde moro, vendo as avezinhas da Criação passando por mim. Isso também é lutar. Luto à minha moda. Em silêncio.

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