21 de novembro de 2024

O espirro

Por Rubinho Vitti |
| Tempo de leitura: 3 min

Eram sete horas da manhã quando entrei em um elevador relativamente cheio. Digo, relativamente, porque apesar de caber umas oito pessoas apertadas naquele meio de transporte vertical pequenino, ele poderia ser usado apenas por três indivíduos devido ao distanciamento social. Tempos de pandemia!

Éramos, portanto, três passageiros. Todos devidamente de máscara, é claro, inclusive eu, que acabara de colocá-la, pouco antes de adentrar ao prédio. Esqueci-me, porém, que a primeira máscara do dia costuma fazer cócegas em minhas narinas. Dito e feito!
Uma vontade cavalar de espirrar surgiu bem quando a porta do elevador fechou-se. Teria que percorrer os próximos cinco andares segurando um espirro que mais parecia um tsunami estancado por palitos de dente.

Como disse, meu destino final era o quinto andar. O passageiro número 1 desceria no andar 3; a senhora, ao lado dele, apertara o 4, de modo que, além da lerdeza singular daquele veículo, ainda teríamos 10 a 20 segundos de espera entre a saída de quem já o habitava, fora a possibilidade do ingresso de um outro passageiro entre os andares.
Como iria espirrar dentro daquele local minúsculo? Em plena pandemia, o espirro é a assinatura da maior falta de educação do mundo. Você já viu alguém espirrando pós-março de 2020? É como se o tempo parasse e em câmera lenta aquela pessoa recebesse os mais infames olhares de julgamento da história de suas existências. É uma cena de crime! Em um elevador, então.

Pensava a todo momento: "Calma, Rubinho, pense que é melhor espirrar do que soltar gases ou arrotar". Não era! Mesmo sabendo que a causa é esse pelinho minúsculo da máscara descartável de quinta categoria que comprei, preferi não arriscar ter que explicar o motivo do meu espirro inocente. Era melhor calá-lo!

Respirava fundo para tentar anular o espirro, algo que só contribuía para mais vontade. Sério! Parecia que eu tinha cheirado inúmeras carreirinhas de rapé. Com os olhos já marejados e uma feição de quem havia chupado um limão, tentava contornar a situação.

A tentativa de disfarçar o fato de que alguma coisa iria explodir dentro de mim parecia em vão. A senhora, minha colega de elevador, já me olhava de uma maneira menos amistosa que há poucos segundos, quando desejara um bom dia abafado por sua máscara de pano bordada com uma rosa vermelha e a frase "Deus é amor".

E era Nele mesmo que eu pensava enquanto contorcia meus canais respiratórios tentando segurar aquele espirro. Rezei um Pai Nosso, tentei pensar na morte da bezerra, cocei o nariz por de cima da máscara… num deu! Era espirrar ou morrer.

Na minha mente, vinha aquela cena da animação Monstros S/A em que um dos personagens é visto com uma meia de criança colada no corpo e acaba sendo quase que escalpelado após fiscais descobrirem o item no seu pelo. Para quem não assistiu, no mundo dos monstros, acreditava-se que as crianças e objetos a elas pertencentes são contagiosos. Inclusive, a senhora do elevador era a cara da Roz, a icônica secretária da fábrica de sustos.

Ainda estávamos no terceiro andar. Nos despedimos do passageiro 1 e segui com a senhora para o seu destino, o 4º. Foram segundos intermináveis.
Tinha lido outro dia, nessas besteiras que nos mandam, que segurar espirro pode fazer com que os olhos saltem para fora. Nunca havia tentado e não seria aquela senhora que se agacharia para pegar minhas retinas tão fatigadas naquele áspero chão elevante.

O quarto andar chegou. A senhora, dona de uma educação ímpar -- com um grau agudo de ironia fina -- olhou bem no fundo dos meus olhos e disse, antes de desaparecer em seu destino para onde nunca mais nos encontraríamos:

"Obrigada, meu filho. Um bom dia para você. E se espirrar, saúde!"

A vontade passou.

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