29 de novembro de 2024
Julio Codazzi

O mise en place do chef Jair Bolsonaro

Por Julio Codazzi é jornalista, editor-executivo da Gazeta de Taubaté |
| Tempo de leitura: 2 min

Mise en place. Você pode nunca ter lido, mas provavelmente já ouviu esse termo francês, que ficou ainda mais popular no Brasil com os reality shows de gastronomia. A tradução literal é algo como 'colocado em ordem' ou 'posto no lugar'. Na culinária, é o nome que se dá à etapa inicial, que consiste em preparar a cozinha antes de começar a confeccionar os pratos. Ou seja, é separar os utensílios e ingredientes que serão necessários. Deixar tudo já descascado e cortado ajuda bastante na hora de executar a receita - seja você um chef ou um cozinheiro para lá de amador, como é meu caso.

Não sei se Jair Bolsonaro sabe cozinhar. Só sei que, para tentar passar a ideia de homem simples, ele adora ser filmado enquanto come pão com leite condensado ou enquanto se suja todo com farofa. Mas, ciente de que a maioria do eleitorado brasileiro deseja um prato com lula e chuchu em outubro, o presidente resolveu agir. Da única forma que ele sabe.

Quando Bolsonaro encaminhou ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma notícia-crime contra Alexandre de Moraes, por exemplo, ele sabia que não existia nenhuma chance de vitória na ação. Nem era esse o objetivo. O foco era tentar aumentar - entre seus mais fiéis eleitores - o clima de suspeição e de conspiração contra o ministro que comanda inquéritos que podem ser danosos ao presidente e que vai chefiar o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nas eleições.

Estratégia semelhante explica os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas. Recentemente, por exemplo, o presidente passou a alegar que "as Forças Armadas apresentaram centenas de fragilidades" no equipamento e que o TSE não tomou providências. "Eu sou o chefe das Forças Armadas. Não faremos papel de idiotas. Eu tenho a obrigação de agir".

E, diante do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o chefe de Estado brasileiro falou: "Queremos, sim, eleições limpas, confiáveis e auditáveis. Para que não reste nenhuma dúvida após o pleito".

Esse é o mise em place de Bolsonaro. Para a receita de seus sonhos não desandar, o presidente tenta triturar o Judiciário, descascar as instituições, picotar a imprensa e fatiar o eleitorado. Tudo isso para, em outubro, conseguir colocar em prática a ideia de fritar a democracia brasileira.

Essa receita, bastante indigesta, nem inédita é. Foi copiada por Bolsonaro de seu ídolo, o 'chef' Donald Trump, que tentou cozinhar a democracia dos EUA em janeiro de 2021, naquele show de horrores ocorrido no Capitólio.

Embora a democracia brasileira seja muito mais jovem e frágil do que a norte-americana, acredito que Bolsonaro repetirá Trump e não conseguirá entregar seu prato. Mas depois que ele sair, vai dar um trabalho enorme arrumar toda a bagunça que sobrará na cozinha.