26 de dezembro de 2024
Fabiano Porto

Por que é tão importante evitar o aumento de 2ºC na temperatura média da Terra?

Por Fabiano Porto (@f_porto) |
| Tempo de leitura: 6 min
Por que é tão importante evitar o aumento de 2ºC na temperatura média da Terra?

O maior acordo da história pelo clima da Terra foi assinado por 195 países em 2015. O chamado “Acordo de Paris” tornou a questão climática um assunto de todos e não apenas dos “países desenvolvidos” como responsabilizava o antecessor “Tratado de Kyoto”. Esse consenso global inédito em agir pelo clima foi baseado em uma meta clara e objetiva: limitar a 2ºC, de preferência abaixo de 1.5ºC, o aumento da temperatura média do planeta, em relação aos índices pré-industriais.

Mas por que é tão importante evitar estes poucos graus de aumento na temperatura média global? Como explicar as ondas de frio em muitas regiões, se o planeta está esquentando?

Para responder essas perguntas primeiramente precisamos compreender o “mecanismo” por trás do aquecimento global. Conhecido como “efeito estufa”, este fenômeno possibilita a vida na Terra ao reter o calor do sol na atmosfera do planeta. Porém descobriu-se que certos gases produzidos por atividades humanas, especialmente o dióxido de carbono, metano e óxido nitroso aumentam muito esta capacidade de reter calor na atmosfera, provocando consequências nocivas ao equilíbrio climático do planeta.

O gás mais emitido é dióxido de carbono, mas não é o mais prejudicial se analisado isoladamente. O metano é 80 vezes mais prejudicial e o óxido nitroso chega a ser 300 vezes mais prejudicial que o dióxido de carbono, em termos de contribuição para o efeito estufa ao longo de 20 anos.

Veja abaixo os maiores emissores de óxido nitroso em nossa atmosfera. A grande emissora é a agricultura (4.1Tg), seguida pela indústria de combustíveis fósseis (0.9Tg), queimadas florestais (0.7Tg) e esgoto e produção de peixes (0.25Tg):

O aquecimento global descontrolado é consequência direta das atividades humanas no planeta. Cada grau de aumento na temperatura média do planeta representa muitas áreas afetadas e o clima da Terra entrando em uma espécie de “convulsão”, como uma pessoa em grave estágio febril. Um dos sintomas é a intensificação de fenômenos climáticos como secas, inundações, ondas de frio e calor. E é por isso que podemos ter frio extremo em uma região e calor recorde em outra. O clima ameno dá lugar a instabilidades e eventos de grande potencial destrutivo para a sociedade humana.

O aumento da temperatura média do planeta provoca um “efeito dominó” com consequências totalmente imprevisíveis. Para ilustrar podemos considerar a questão do derretimento das coberturas de gelo: em seu estágio natural elas atuam diminuindo o efeito estufa, pois refletem os raios solares, mas ao serem derretidas, mais calor é absorvido pela terra, provocando mais derretimento e assim o ciclo se intensifica até o total desaparecimento do gelo. Os dados são alarmantes e absolutamente inquestionáveis: A cidade russa de Verkhoyansk, no Ártico, registrou recorde de inacreditáveis 39ºC em 2021. E a temperatura na Antártica também bateu recorde com 18.3ºC.

Veja abaixo em infográfico produzido pelo Estadão com dados do IPCC com as projeções pessimistas e otimistas do aumento da temperatura média global:

Neste momento (junho/2022), faltando ainda alguns dias para o verão, os EUA enfrentam uma das piores ondas de calor de sua história com temperaturas acima de 40ºC, afetando mais de 60 milhões de pessoas. A região desértica do Vale da Morte, no leste da Califórnia, atingiu um novo recorde diário de 50,5ºC, superando em 2,5ºC a máxima anterior, registrada em 1994. Phoenix, no Arizona, atingiu 45ºC, batendo o recorde anterior de 43,8ºC. Também existe um novo recorde europeu de 48,8 °C na ilha italiana da Sicília neste verão. 

E existe um outro imensurável risco que estamos correndo com o aumento da temperatura, que pode acelerar muito as alterações climáticas. O problema se chama “derretimento do permafrost”, que são densas camadas de “gelos eternos” que estão congelados há milhares de anos e “aprisonam” em seu interior trilhões de toneladas de gases, em forma de dióxido de carbono e especialmente metano. Se pesquisar por “fire permafrot” nos buscadores encontrará muitas fotos e vídeos de grandes labaredas de fogo saindo do interior do gelo que está derrentendo.

Com base nas pesquisas recentes, cientistas estimam que o aumento de apenas um grau na temperatura média do planeta possa ser responsável pelo derretimento de permafrost e liberação de gases equivalente a 4 a 6 anos das emissões globais de carvão, petróleo e gás natural. Se nada for feito, em poucos anos a emissão dos permafrosts globais será tão grande quanto a China, atualmente maior emissor mundial.

E nem sequer precisamos aquecer um grau para sentirmos as consequências. Com apenas 0.5ºC de aquecimento já é possível provocar grandes estragos. Os recifes de corais, por exemplo, estão desparecendo por serem extremamente sensíveis a variação de temperatura. São ecossistemas fundamentais para a saúde dos oceanos, habitat de milhares de espécies de fauna e flora marinhas e um “amortecedor” que previne enchentes e inundações em cidades costeiras. A morte dos recifes está atingindo níveis recordes e já se fala em extinção total até 2030 se nada for feito. A morte dos corais é conhecido como “branqueamento de corais”, pois todo multicolorido dos corais se transformam em um pálido branco quando extintos. A magnífica explosão de vida se transforma em ruínas.

Estamos em meio a diversas anomalias do clima e vemos aumentar a intensidade dos fenômenos naturais. Maior atividade de ciclones, furações, terremotos, vulcões, tempestades, secas, nevascas, inundações, proliferação de doenças, “pragas” agrícolas, ou de alterações alarmantes para o equilíbrio da natureza, como a acelerada extinção das abelhas, espécies de plantas, animais e até em países inteiros, como as “nações insulares” do pacífico que estão desparecendo pela elevação do nível do mar (provocado pelo derretimento do gelo terrestre).

Os dados sobre as alterações climáticas provocadas pelo aquecimento global são claros e inequívocos. São quase 100 anos de cruzamento de milhares de pesquisas de diferentes grupos científicos do mundo. É por isso que hoje, entre todas as nações de diferentes ideologias, existe este consenso global inédito sobre a importância fundamental de limitar o aumento da temperatura média do planeta em no máximo de 2ºC, sendo desejável 1.5ºC. Essa pequena diferença de 0.5ºC tem uma grande diferença. Veja no gráfico abaixo, produzido pela WRI Brasil:

Esta missão pela redução na emissão de gases para controle da temperatura média do planeta é compartilhada por todos os países, porém é inegável que as maiores responsabilidades deverão ser assumidas pelos países desenvolvidos. Segundo relatório da consultoria Energy & Climate Intelligence Unit, os países do G20 são responsáveis por 76% das emissões globais. O Brasil representa cerca de 3%, mas nossas emissões têm um gigantesco agravante, pois nossas maiores emissões não são da energia, transporte ou indústria, mas sim das queimadas e do desmatamento da floresta amazônica e outros ecossistemas florestais. Prova disso é o fato de oito dos dez municípios que mais emitem gases de efeito estufa no Brasil estarem em território de floresta Amazônica.

O cenário global está posto.

Os riscos pela falha conhecemos.

As soluções e propostas já existem.

O que falta para evoluirmos este sistema?

Esta evolução será boa para as empresas, governos, pessoas e todos os seres e biomas do planeta. Positivo para a produção de alimentos, saúde populacional e até para a própria lucratividade capitalista a longo prazo. Todos ganham com a transição para uma “economia verde” ou “regenerativa”. Então o que falta para “virarmos a chave” e começarmos a “atualizar” o sistema capitalista atual para integrar profundamente as questões ambientais e sociais aos ganhos e valorização de capital ?

Nas próximas colunas vou começar a abordar as soluções e caminhos que podemos construir para reduzir emissões, aumentar nossa qualidade de vida em sociedade e garantir um futuro de estabilidade climática para as futuras gerações de humanos, plantas e animais. Tudo na Terra funciona de modo integrado. O nosso sistema de desenvolvimento precisa se integrar ao próprio planeta. Precisamos parar de atuar como um câncer e começarmos a agir como uma célula de defesa e proteção da natureza.